OPINIÃO

O que o luto nos ensina

O meu luto se transformou em luta, me ensinando muito sobre dor, coragem, empatia e justiça. O meu luto me fez observar com mais compaixão a dor do outro, me fez buscar mecanismos que amenizem a angústia de famílias que passam pelo trauma da perda de um ente por crimes violentos.

LUCINHA MOTA
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LUCINHA MOTA
Publicado em 21/01/2023 às 0:00 | Atualizado em 21/01/2023 às 10:20
ARQUIVO PESSOAL
Beatriz Mota: "Ao ceifarem a sua vida de forma tão cruel e prematura, achei que havia perdido meu mundo". - FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Quando perdemos alguém muito próximo sentimos o chão abrir sob os nossos pés e acabamos mergulhados em um vazio que acreditamos jamais ter fim. E não tem mesmo. Esse vazio nunca mais é preenchido. O mundo continua girando, as horas não param de correr, os outros seres humanos seguem suas rotinas e você também precisa retomar a sua, mesmo sem saber como, nem quando. A bússola da sua vida deu defeito e você ainda não aprendeu a consertá-la. O recomeço é duro. Voltar a levantar, a abrir a janela, a sentir o sabor dos alimentos, a enxergar o sorriso no rosto de alguém sem sentir que aquilo é uma agressão à sua memória, ao seu luto. Leva tempo. Às vezes, muito tempo. Às vezes, um pouco menos.

Com a minha Beatriz não foi diferente. Ao ceifarem a sua vida de forma tão cruel e prematura, achei que havia perdido meu mundo. Demorei um pouco para me reerguer, confesso. Mas quando entendi que a justiça não viria de onde deveria; quando compreendi que a memória da minha filha só seria respeitada se eu saísse daquela condição e buscasse condenar o seu assassino para que ele pagasse na forma da Lei pelos seus atos; quando percebi que minha recuperação seria capaz de impedir novas investidas criminosas deste cidadão; quando dei por mim que poderia salvar outras crianças e evitar que outras mães, pais, irmãos e amigos fossem afundados na tortura à qual eu e os meus fomos submetidos, eu levantei.

Larguei tudo e mergulhei novamente. Só que desta vez não imergi no vazio, mas em um mundo de provas, imagens, nomes, dados, números e movimentos. Mudei meu rumo. Por Beatriz, deixei de ser professora e virei detetive, ativista social e humanitária na luta por Justiça e por respeito aos Direitos Humanos, me formei investigadora de homicídios pela CIT Group de Miami (EUA), iniciei uma graduação em Direito, passei a ser reconhecida internacionalmente pela minha incansável luta em busca de justiça e me tornei suplente de deputada estadual por Pernambuco.

Os 700 quilômetros que caminhei do sertão ao litoral pernambucano serviram para garantir à minha filha um inquérito justo. Eu só precisava ser ouvida e tive que esperar 6 anos e 18 dias por isso. Foram 6 anos e 18 dias sem qualquer informação sobre a identidade do assassino, até ser recebida pelo então governador do estado que, finalmente, conseguiu identificar e prender o culpado, 14 dias depois, com dados da minha própria apuração, quando apontei para o governo uma forma de ampliar a investigação, fazendo buscas no banco de dados de DNA de Pernambuco.

O meu luto se transformou em luta, me ensinando muito sobre dor, coragem, empatia e justiça. O meu luto me fez observar com mais compaixão a dor do outro, me fez buscar mecanismos que amenizem a angústia de famílias que passam pelo trauma da perda de um ente por crimes violentos. O luto pelo assassinato da minha filha nunca saiu de mim e tenho certeza que jamais sairá. Mas a minha determinação e a minha experiência, nem toda ela reconhecida por meio de diplomas e certificados oficiais - como tanto me cobraram, me deram a honra de ser convidada pela governadora Raquel Lyra para assumir a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco.

Hoje, enquanto secretária, atuando do outro lado do balcão, assumo com responsabilidade e muito foco um dos desafios mais potentes da minha trajetória. Saio da condição de membro da sociedade civil para representá-la de dentro do Governo do Estado. A tarefa não é fácil. Mas me comprometo a entregar em cada gesto, em cada ato desta secretaria o tanto que entreguei na busca por respostas no caso Beatriz, sempre com ética, humanidade e tolerância zero para a injustiça.

O maior medo da minha vida eu já enfrentei, que foi o de enterrar de forma prematura uma filha ainda criança, linda e saudável. Todo o resto, não tenham dúvidas, tiro de letra.

 

Lucinha Mota é ativista e secretária de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco

 

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