A primeira Constituição Federal brasileira, outorgada e promulgada por D. Pedro I, em 1824, estabelecia em uma das suas cláusulas, a necessidade de que as cadeias públicas deveriam ser limpas e asseadas, bem como que os presos deveriam ser tratados com dignidade. Nota-se, dessa forma, que desde aquela época havia previsão constitucional no sentido de preservar a dignidade do preso e o ambiente prisional que ele deveria ser recolhido. Todas as Constituições a partir de 1824, sem exceção, mantiveram a obrigação de oferecer ao detento a dignidade humana, mas nenhuma delas foi tão expressamente preocupada com a situação dos presos e das prisões, como a Carta Magna promulgada em 1988.
Basta ver que no capítulo destinado aos direitos e garantias individuais, o Texto Maior, relativamente ao preso e à sua condição humana, trouxe avanços significantes no sentido de estabelecer a obrigatoriedade de oferecer a dignidade humana aos reclusos, aliás, princípio fundamental estampado no art. 1º, III, da mesma Constituição de 1988, que deve ser aplicada a todos, independentemente da situação pessoal de cada um dos brasileiros.
Começa que a Carta de 1988 proíbe o uso da tortura ou de tratamento desumano ou degradante, não só no ambiente prisional, mas, também, durante e após a realização da prisão, seja ela em flagrante delito ou aquela decretada por autoridade judiciária. Detidos em delegacias de polícia ou nas unidades carcerárias administradas pelos Estados ou pela União, o crime de tortura está regulamentado pela Lei nº 9.455, de 1997, cujo ilícito penal é equiparado pela Constituição aos hediondos, significando, assim, que os condenados pela prática desta modalidade criminosa não podem ser beneficiados com o indulto, sendo certo que a progressão de regime só poderá ser obtida se o apenado cumprir pelo 50% do total da condenação.
O preso tem o livre direito de escolher a sua religião, ademais é inviolável a sua liberdade de consciência e de crença, assegurando-se o livre exercício de cultos religiosos. Depois, também são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, assegurado o direito à indenização pelo dano moral ou material, contra aqueles que tenham contrariado este direito e garantia fundamental do recluso. Cumpre lembrar que é também inviolável o sigilo das correspondências enviadas ou recebidas pelo detento, salvo se houver decisão judicial escrita e fundamentada autorizando a quebra do sigilo. O preso, lado outro, tem o direito constitucional de receber dos órgãos públicos informações do seu interesse particular, sem contar que os reclusos fazem jus a ter um defensor público nomeado, se restar comprovado que ele não pode custear os honorários advocatícios de advogados particulares.
A mesma Constituição de 1988 assegura ao detento o direito de petição aos Poderes Públicos, inclusive ao Poder Judiciário, em defesa de direitos ou contra qualquer tipo de ilegalidade ou abuso de poder, bem como faz jus a requerer e a obter certidões em repartições públicas para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal.
O preso só pode ser condenado no âmbito do devido processo legal, obedecidos os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e desde que na data do fato tido como delituoso exista lei vigente estabelecendo que a sua conduta foi criminosa, sendo exigido, mais, que expressamente haja culminação da pena correspondente ao ilícito penal. Sem lei anterior definindo a conduta delituosa e a pena correspondente, não há que se falar em crime, porque o fato será sempre atípico, ou seja, o crime não existirá. Cabe ressaltar que uma lei penal nova não pode retroagir para prejudicar um acusado da prática de um delito. Para que o crime exista é absolutamente necessário que haja previsão na lei penal sobre a conduta criminosa e sobre a pena que pode ser fixada pelo juiz.
Nos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados (homicídio, infanticídio, suicídio e aborto), o preso só pode ser julgado por um tribunal do júri, composto por um juiz de Direito, que é o seu presidente e sete jurados, pessoas do povo regularmente sorteadas no dia do julgamento, entre as vinte e cinco pessoas que são escolhidas, também, por sorteio, anualmente. Durante o julgamento perante o tribunal do júri, com efeito, há de se preservar a plenitude da defesa e o sigilo das votações dos jurados, sob pena de nulidade absoluta do julgamento.
Se eventualmente condenado o réu, no júri ou no juiz singular, no Brasil, não será jamais permitida a fixação de penas cruéis (morte, banimento, trabalhos forçados ou de natureza perpétua), inexistindo a possibilidade da aprovação de uma emenda constitucional nesse sentido, porque essa regra constitucional está inserida no bojo das cláusulas pétreas, que não podem ser modificadas sequer através de emendas à Constituição. As penas possíveis de serem aplicadas na sentença penal condenatória ou em acordo penal, é a privação ou a restrição da liberdade, perda de bens, prestação social alternativa ou a suspensão ou interdição de direitos.
Pelo Texto Constitucional, a pena privativa de liberdade deverá ser cumprida em estabelecimento prisional de acordo com a idade, sexo e tipo de crime cometido, mas essa regra constitucional é utópica, a uma porque não há separação, nos presídios, de pessoas maiores de 60 anos de idade, nem tampouco de pessoas condenadas por crimes distintos e a duas porque não há espaço físico nas prisões para a separação. Na prática, o traficante de drogas fica custodiado na mesma cela de um criminoso que tenha cometido um pequeno furto. Significa, assim, que não há a separação de presos pelo tipo de crime cometido, uma política penitenciária essencial e benéfica à recuperação do criminoso e uma ânsia da própria sociedade. Os responsáveis pelas prisões alegam, com razão, que não há espaços nas unidades prisionais sequer para acomodar a totalidade dos presidiários que já estão recolhidos, num ambiente que cabe 100 e que acolhe 400 presos. Manter esta separação é praticamente impossível de realizar, mesmo sabendo-se que se trata de uma grave vulneração à Constituição Federal de 1988.
No tocante às mulheres prisioneiras, a Constituição de 1988 assegura que elas sejam custodiadas em estabelecimento penal onde possam permanecer com os seus filhos durante o período de amamentação, e a Lei de Execução Penal de 1984 obriga que as prisões femininas disponham de creches e de berçários, o que dificilmente acontece.
Como se vê, no Brasil, relativamente aos seus presos, a Constituição Federal de 1988 não é cumprida e nem há vontade política para fazê-lo, mesmo depois de mais de 35 anos de existência.
Na próxima semana voltaremos ao assunto.
Adeildo Nunes, doutor e mestre em Direito, juiz de direito aposentado, advogado, professor, membro do Sindicato dos Advogados de Pernambuco, autor de livros jurídicos.
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