ARTIGO

Já não se pode abrigar a ideia de que será possível, no Brasil, experimentar sequer um dia de lucidez

"Inspiro-me no livro de Chomsky - Duas horas de lucidez - para o título deste artigo"

DAYSE DE VASCONCELOS MAYER
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DAYSE DE VASCONCELOS MAYER
Publicado em 25/09/2022 às 0:00 | Atualizado em 25/09/2022 às 14:32
Antonio Augusto/Ascom/TSE
Brasil vai às urnas no dia 2 de outubro - FOTO: Antonio Augusto/Ascom/TSE
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Inspiro-me no livro de Chomsky - Duas horas de lucidez - para o título deste artigo. Sustentado nas ideias de Rousseau (O povo inglês só é livre durante a eleição) assinala o intelectual que nos EUA a democracia é um sistema no qual as pessoas são meros espectadores (e não atores).

A intervalos constitucionais, o povo usa a urna para colocar o voto - escolhido de forma nem sempre republicana. Terminado o ritual, cada eleitor vai esperar os resultados da eleição ou cuidar das rotinas familiares e profissionais. A esse modo de proceder ele chama democracia.

E o que ocorre dias após a eleição? Por experiência, o vitorioso será acometido de amnésia e deixará de lado as promessas de campanha: enxugamento da máquina estatal, erradicação de orçamentos secretos, redução da inflação e das filas do INSS, ataque à pobreza birrenta, aos juros altos, às mazelas da saúde e da educação... Justamente porque não é fácil escolher um presidente, é que Samuel Huntington, autor do livro "O choque de civilizações..." relembrou com nostalgia que Truman pôde governar o país com o auxílio de um grupo de advogados e de banqueiros de Wall Strett. Tal solução resultou do temor do falhanço ou mal desempenho das instituições naquele período.

Receamos que tal decisão venha a ser utilizada no Brasil. As pessoas mais ilustradas indagam se as nossas instituições possuem capacidade para suportar o peso dos desmandos da governação irresponsável.

Outros, acometidos da cegueira de Saramago, esquecem o óbvio: nossos candidatos são apenas marionetes conduzidas por marqueteiros - profissionais do marketing que identificam os eleitores corretos, estudam o caráter dos concorrentes, produzem conteúdos em função da análise realizada, geram e analisam pesquisas, produzem ou fixam resultados. E quanto maior vocação os candidatos tiverem para o teatro bufo, maior será a capacidade de ascender nas pesquisas.

No tocante ao eleitor, as escolhas serão sempre algo nevoento e misterioso. Como diria Pessoa, no "Primeiro Fausto", "a essência do mistério está não só em nada compreender, mas em não saber porque não se compreende".

Poderia haver outra hipótese, entre tantas outras: quanto mais velha é a sociedade, mais difícil será o processo de transformação do comportamento. Afinal, a mudança instala o medo e a incerteza do desconhecido. Por isso é preferível optar pelo estacionário deixando as coisas como estão para ver como ficarão no futuro. Enfim, já não se pode abrigar a ideia de que será possível, no Brasil, experimentar sequer um dia de lucidez.

Dayse de Vasconcelos Mayer, é doutora em ciências jurídico políticas.

 

 

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