CHUVAS EM PERNAMBUCO: "Dessa vez, a súplica é pernambucana. É de quem não aguenta mais encher os olhos d’água "
Como em "Súplica Cearense", composição de Gordurinha e Nelinho imortalizada na voz do mestre Luiz Gonzaga, será que cabe perguntar se "o Senhor se zangou e só por isso o sol se ‘arretirou’, fazendo cair toda chuva que há"?

Reconstruir tudo, mais uma vez. As fortes chuvas que castigaram a Região Metropolitana do Recife, as Zonas da Mata Norte e Sul, e algumas cidades do Agreste, trouxeram dor a muitas famílias pernambucanas. Mais de 80 vidas perdidas. Quanto amor entre pais e filhos levado pelas águas. Quanto suor derramado em busca de uma vida melhor agora soterrado na lama. Quantos sonhos e planejamentos simplesmente derrubados pela força dos ventos.
Como em “Súplica Cearense”, composição de Gordurinha e Nelinho imortalizada na voz do mestre Luiz Gonzaga, será que cabe perguntar se “o Senhor se zangou e só por isso o sol se ‘arretirou’, fazendo cair toda chuva que há”?
Afinal, para quem pede todos os dias aos céus que “chova de mansinho” na esperança de “nascer uma planta no chão”, dói demais ser confrontado com as imagens de casas desmoronando num passe de mágica; ainda sabendo que nelas Josés e Marias de todas as idades tiveram suas jornadas brutalmente encerradas.
Dói demais também pensar em como seguirão os Josés e as Marias que ficaram. Como superarão a dor de perder tudo? De onde encontrarão forças para sair, literalmente, da mais profunda lama?
A lama, inclusive, escancara as péssimas condições de moradia a que parcela da população pernambucana é submetida. E continuará sendo, porque quando tudo voltar ao normal e tanto o poder público quanto grande parte do povo esquecer do último final de semana de maio de 2022, é para as moradias irregulares que aqueles Josés e aquelas Marias voltarão. Não porque querem, mas sim porque é o que lhes restou para juntar os cacos e seguir a vida.
Na tragédia de Canudos, no século XIX, Euclides da Cunha disse que o “Nordestino é, sobretudo, um forte”. Disso não há dúvidas, mas será que é necessário fazer o nosso povo, de chuva em chuva, de alagamento em alagamento, de deslizamento em deslizamento, provar a sua força? Quantos mais Córregos do Abacaxi e Jenipapo serão necessários? Quantos mais Sítios dos Pintos? Quantos mais Jardins Monte Verde?
Dessa vez, a Súplica é Pernambucana. É de quem não aguenta mais encher os olhos d’água pra chorar pela partida abrupta de uma mainha ou de um painho. É de sujeitos que, mesmo sem muitas vezes saber fazer a oração, vão pedir a Deus que não esqueça deles. Vão continuar pedindo a Deus que “o sol inclemente se esconda um tiquinho” e caia dos céus a água que dá vida. Vão reunir as forças que têm e que não têm para reconstruir tudo do nada. E o pior, mais uma vez. Ó Deus!
Lucas Arruda, estudante de Jornalismo da UFPE