Apocalípticos e integrados: a reação do público ao filme 'Não Olhe para Cima'
"Sútil como uma explosão causada pela colisão entre uma rocha de 10 quilômetros de diâmetro e a Terra, o filme recém-lançado pela Netflix 'Não Olhe para Cima' é um sucesso de audiência e tem rendido inúmeras análises". Leia o artigo de Ighor Branco

"É assim que acaba o mundo: não com um estrondo, mas com um gemido." - T. S. Elliot
Sútil como uma explosão causada pela colisão entre uma rocha de 10 quilômetros de diâmetro e a Terra, o filme recém-lançado pela Netflix "Não Olhe para Cima" é um sucesso de audiência e tem rendido inúmeras análises. Com um elenco repleto de estrelas - como Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep -, o longa é na verdade uma sátira sobre a descoberta científica de um cometa rumo ao nosso planeta e a enorme dificuldade dos cientistas para convencer e mobilizar o mundo a levar a sério a ameaça de extinção.
Repleto de hipérboles, o filme acaba falando mais sobre a reação das pessoas ao fato do que do fim do mundo em si. Ao que parece, parafraseando Umberto Eco, a reação das pessoas está entre "apocalípticos" ou histéricos e "integrados" ou negacionistas.
A maior preocupação está mesmo no embate das narrativas. Com representações que alfinetam todos os nichos, a trama expõe ainda a recorrente incapacidade da comunidade científica em dialogar e se fazer entender com o grande público.
Os cientistas protagonistas são retratados como inseguros e instáveis, o que, claro, levando em consideração o suposto desinteresse da classe política e midiática, não ajuda no diagnóstico e resolução do problema. Os políticos, por sua vez, são mostrados como inescrupulosos e levianos. Donos dos meios para agir e capazes de manipular os discursos, colocam-se conforme seus interesses, mesmo que para isso seja necessário negar a realidade.
E por falar em realidade, a mídia não escapa do olhar atento do diretor. O filme mostra como parte dos meios de comunicação têm servido de plataforma de mero entretenimento - seja com as futilidades da vida privada dos famosos ou com a abordagem deliberadamente amena de assuntos sérios.
A impressão que fica é de que o jornalismo tem gerado mais confusão do que certezas, com os veículos tradicionais percorrendo o caminho tortuoso e imediatista das redes sociais com seus memes, trends, conteúdos virais, fofocas, intrigas e discussões maniqueístas.
A população, nesse imbróglio, serve como massa de manobra. Retroalimenta os discursos, dialoga cada vez menos e faz os debates parecerem tão racionais quanto torcidas opostas num jogo de futebol. Assim, olhar ou não olhar pro céu não importa.
Por último, a narrativa do filme, que mais se assemelha a um drama do nosso tempo, aponta os sintomas, mas não a doença. O enredo principal pode até tratar do negacionismo, possibilitando uma comparação direta à pandemia da Covid-19. Mas, esta é apenas uma das inúmeras negações.
Surpreendentemente, ou nem tanto, a trama que tem despertado paixões políticas nas redes termina com os protagonistas voltando para casa. Juntos com a família, durante uma refeição, orando a Deus e esperando o fim do mundo. Que está por vir a qualquer momento.
Ighor Branco, acadêmico de Ciência Política da UFPE
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC