O que mais me impressionou no acidente aéreo que matou a cantora Marília Mendonça foram a pressa e a celeridade com que ela caminhou para a morte. A imagem da TV mostra seus passos miúdos e rápidos, na entrada do aeroporto de Goiânia, carregando um violão encapado na mão esquerda e puxando a maletinha vermelha de rodinhas com a mão direita. A pressa era para embarcar logo no bimotor que a aguardava para levá-la à cidade mineira de Caratinga, terra de Ziraldo, e à morte. A cena que precedeu à tragédia me lembrou Tom Jobim.
O que leva uma jovem bonita e rica a ter uma vida tão agitada, trepidante, de incômodas e constantes viagens aéreas, percorrendo um vasto país em pequenas e velhas aeronaves, sem segurança? Quando Tom Jobim estourou internacionalmente com Garota de Ipanema, gravada por Frank Sinatra e Astrud Gilberto, choveram convites de vários continentes pra ele gravar e promover espetáculos. Sua resposta foi curta e grossa: "Não pretendo passar o resto da vida em hotéis e aeroportos. Prefiro minha casinha na Gávea, com árvores, sabiás e sanhaços.". Por ironia do destino, morreu em consequência de erro médico nos Estados Unidos.
Ainda jovem, fiz curtas viagens em pequenos aviões. Duas vezes, num Piper de meu saudoso amigo Artur Coutinho, para sua Usina Cansanção de Sinimbu, em Alagoas, nas quais ele fazia uma brincadeirinha temerária: desligava e ligava a chave do motor do teco-teco - e, outra vez, de Mossoró pra Recife, com uma equipe de professores do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife - SEC, que fora dar aula no interior do Rio Grande do Norte. De lá pra cá, sempre evitei andar de monomotor e bimotor à hélice. Nos de carreira, escapei de um desastre num Douglas DC-6, da Varig, vindo do aeroporto Zumbi dos Palmares pros Guararapes.
A crônica é sobre o drama de Marília Mendonça, seu tio, seu produtor, o piloto e o copiloto, não sobre o cronista. O fato de eu ir deslizando a pena de forma claudicante e ininterrupta, me estendendo na narrativa, fugindo do assunto principal, deve ser uma tentativa inconsciente e freudiana de autodefesa. De não querer sofrer em conjunto com a rainha da sofrência, sua família, seus inúmeros fãs e admiradores. Será mesmo? Alguma coisa justifica uma desgraça dessa à luz da religião ou qualquer tese filosófica e metafísica? Haverá alguma justificativa pra essa tragédia grega? Não me venham com desígnios divinos. Por favor.
PS.: Hoje, lançamento do livro Parentalidade, da professora Maria Rita de Holanda, às 18h, na Academia Pernambucana de Letras - APL
Arthur Carvalho, Academia Pernambucana de Letras Jurídicas
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