ARTIGO

Espaço público, saturação tecnológica e educação: uma tese inquietante

"Participei recentemente de uma banca de doutorado na USP em que o candidato - o professor Genivaldo Monteiro da UEPB - defendeu uma tese de conteúdo bastante inquietante sobre a relação tão contemporânea entre espaço público, saturação tecnológica e educação". Leia o artigo de Flávio Brayner

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FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 24/08/2021 às 6:00
USP Com uso de Pix e aceno às redes sociais, instituições buscam doações - MARCOS SANTOS/USP IMAGENS

Participei recentemente de uma banca de doutorado na USP em que o candidato - o professor Genivaldo Monteiro da UEPB - defendeu uma tese de conteúdo bastante inquietante sobre a relação tão contemporânea entre espaço público, saturação tecnológica e educação. A questão de base é mais ou menos a seguinte: a modernidade produziu um personagem (de pretensões mais ou menos universais) de natureza um personagem "educável" que chamamos de SUJEITO, supostamente dotado de certos predicados que a própria educação deveria fornecer. Entre estes predicados, alguns deveriam nos ajudar a participar do chamado "espaço público decisório", onde decidimos os "negócios humanos" relativos aos destinos da Cidade: a ideia, já banalizada, de "educação-para-a-cidadania". Ocorre que o próprio espaço público está conhecendo uma preocupante decadência, não apenas em função das novas tecnologias, mas também da descrença nas formas tradicionais da política, da dúvida lançada sobre o princípio de igualdade como base da democracia, da emergência de movimentos sociais setorializados e identitários, mas, sobretudo, da ameaça à própria "universalidade" pretendida por aqueles conceitos (Sujeito, Igualdade, Liberdade Pública, etc). Talvez a ameaça mais grave seja aquela lançada sobre o SUJEITO e, aqui, a tecnologia tem um peso decisivo e danoso!

Hans Jonas (1903-1993), em O Princípio Responsabilidade, mostrou que a "antiga tecnologia" tinha uma natureza "antropocêntrica": ela era, como diria Gordon Childe, "um prolongamento das mãos", um meio para nos relacionarmos com o "não-humano" (a Natureza) e transformá-lo de acordo com um propósito teleológico (um fim desejado). A tecnologia, enfim, era algo "externo" a nós mesmos. O problema é que chegamos a um ponto em que não é mais a tecnologia que está em nossas vidas: são nossas vidas que estão dentro da tecnologia e a própria noção de HOMEM (e a idéia de SUJEITO) está em vias de sofrer transformações irreparáveis: manipulação genética, inteligência artificial, antropotécnicas, chips comportamentais, algoritmos de manipulação de emoções... Vem aí o PÓS-HUMANO! Jonas acha que precisamos de outra "ÉTICA": não se trata de fundar uma nova moral normativa ou criar novos imperativos categóricos: trata-se de agir, HOJE, de forma a que os PÓSTEROS ainda possam dispor de um "mundo humano" que a tecnologia ameaça seriamente, uma ética não somente para os que virão, mas para preservar o não-humano.

E aí? Fim do espaço público, fim do sujeito, fim do cidadão! O que devemos esperar da EDUCAÇÃO?

Flávio Brayner, professor da UFPE

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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