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A cena envolvendo o advogado Alberto Zacharias Toron o senador Otto Alencar na CPI da Covid

"A cena emula o comportamento de algumas 'autoridades' que, infelizmente, não compreendem o verdadeiro alcance das prerrogativas da advocacia". Leia a opinião de Bruno Baptista

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BRUNO BAPTISTA

Publicado em 05/07/2021 às 6:01 | Atualizado em 09/07/2021 às 1:52
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O depoente, munido de habeas corpus concedido pelo STF, recusa-se a responder uma pergunta. O presidente em exercício da sessão, investido ali na atípica função legislativa de julgador, afirma, com aparente intenção de ridicularizar, que o depoente "amarelou" e o advogado está muito "vermelhinho". Quando o advogado tenta responder, tem o som do seu microfone cortado e ao reputar como covarde o ato, é ameaçado de ser conduzido pela polícia legislativa para fora do plenário.

O cenário é real e aconteceu no último dia 30 de junho na CPI do Senado Federal. A vítima foi o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron e o inquiridor foi o senador Otto Alencar (PSD-BA). A cena emula o comportamento de algumas "autoridades" que, infelizmente, não compreendem o verdadeiro alcance das prerrogativas da advocacia. Olvidam essas "autoridades" que, por exemplo, ao negar acesso aos autos, o prejuízo não é somente ao advogado constituído, mas principalmente ao cliente e, mais ainda, à legalidade e à cidadania. E, como o mundo dá voltas, pode o próprio violador das prerrogativas, mais à frente, precisar dos serviços advocatícios e ter sua defesa dificultada.

A defesa intransigente das prerrogativas é um dos pilares principais da atuação da OAB-PE. Não por mera questão corporativa, e sim porque as prerrogativas não são dos advogados e advogadas, mas dos cidadãos. Ao se impedir a advocacia de exercer plenamente sua função, acessando documentos, locais e pessoas em condições que garantam a inviolabilidade e plenitude da atuação profissional, o maior prejudicado é o cidadão por se criar obstáculos para se chegar à Justiça.

Nos últimos dois anos e meio, foi aprovada a criminalização da violação das prerrogativas. Também entrou em vigor lei estadual que prevê a obrigatoriedade de afixação de cartazes em órgãos públicos alertando que é crime violar as prerrogativas. Desagravos estão sendo realizados, sendo que ainda neste mês de julho será realizado mais um em São José do Egito; representações contra autoridades estão sendo aviadas, e praticamente todos os dias, em todo o estado, colegas são assistidos pelos bravos integrantes da Comissão de Defesa e Assistência às Prerrogativas - CDAP. Trata-se de uma mudança cultural, que demanda tempo, diálogo, coragem e assertividade. Mas o trabalho está sendo feito e o caminho está apontado.

Infelizmente, no país (ou mundo?) binário em que vivemos, o antigo ditado "aos amigos tudo, aos inimigos a lei" foi convertido, especialmente pelos "julgadores" de redes sociais, em "aos amigos tudo, inclusive a lei. Aos inimigos, nem a lei". A lei não pode servir para um e não para os outros. O exercício das carreiras jurídicas, inclusive a advocacia, não é lugar para populismo. A norma deve valer para todos, seja a qual "cordão" pertença.

Como escreveu Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas, "a água só é limpa nas cabeceiras... O mal ou o bem estão em quem faz. Não é no efeito que dão. O senhor ouvindo, me entende!". Por isso, é importante que todos escutem: prerrogativas não são privilégios, mas existem, na realidade, para proteger o cidadão dos descaminhos das injustiças.

Bruno Baptista, advogado e presidente da OAB/PE

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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