Como eu conheci o maestro Geraldo Menucci
"Aqui, foi maestro assistente da Sinfônica do Recife, primeiro regente de nossa Banda Sinfônica e responsável pela criação do Coral Bach, do Centro de Criatividade Musical de Olinda e da Orquestra Pés Descalços". Leia o artigo de José Paulo Cavalcanti Filho

Liga Janete Costa, querida, para dizer que a Polícia Federal havia entrado na casa do maestro Geraldo Menucci, quase madrugada, em busca de drogas. Quebrou objetos, não achou nada e ameaçou voltar. Estava apavorado. Tínhamos acabado de chegar no Ministério da Justiça e aquela gente continuava acreditando ainda estar na Ditadura. Liguei para o Superintendente de Pernambuco. E a ele disse que terceiros, fingindo ser a PF (quis ser elegante), invadiram uma casa sem mandado judicial. E isso não podia mais acontecer. Pedi que assumisse o caso. Dia seguinte, voltou Janete a ligar. Dizendo que o Superintendente foi, ele próprio, falar com Menucci. Ofereceu proteção. E deixou cartão com telefones (inclusive pessoais), para o caso de algo acontecer. Acabou tudo bem.
Assim o conheci. E logo nos tornamos amigos. Veio do Sul para se integrar ao Movimento da Cultura Popular, nos tempos de Arraes prefeito. Aqui, foi maestro assistente da Sinfônica do Recife, primeiro regente de nossa Banda Sinfônica e responsável pela criação do Coral Bach, do Centro de Criatividade Musical de Olinda e da Orquestra Pés Descalços. No Ministério da Justiça, montamos com ele um programa de ressocialização, nas penitenciárias, ensinando presos a tocar instrumentos. Permitindo que pudessem aprender um ofício e, ao sair, com ele se manter. Funcionando ainda como estímulo para outros apenados.
Sábado 20/06, na coluna Voz do Leitor do JC, certo Antônio José dá conta de que perdemos Mennuci para o Covid. Lamento. Dante, na sua divina Comédia, pergunta "O que é a glória?". E, num diálogo com um amigo de San Gimignano (Toscana), Guido Cavalcanti, fala na fórmula Pater Sancte: sic transit gloria mundi! - usada (até 1963), pelos papas, na sua primeira caminhada pela Praça de São Pedro. Três vezes se ajoelhavam e, três vezes, repetiam a frase, as glórias do mundo passam. Sei disso. Passam. Mas choro por ele. Schubert compôs, em 1822, apenas os dois primeiros movimentos de uma bela Sinfonia em si menor (Alegro Moderato, Andante com Moto). E parou por ai, sem que se conheçam as razões. A obra é conhecida como Sinfonia Inacabada. Pensei no compositor austríaco ao ler a notícia de agora. Porque a trajetória inacabada de Menucci, grandiosa, merecia mais que só um rodapé. É injusto. Mas segue a vida, para o amigo Pessoa (Reflexões) só "o lado de fora da morte".
José Paulo Cavalcanti Filho, advogado
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