De Francisco a Leão
Quem se aprofundar na História da Igreja Católica sabe que esses dois mil anos de trajetória reúnem luzes e sombras, contribuições e percalços

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GABRIEL MARQUIM
Quem procura se aprofundar sobre a História da Igreja Católica sabe que esses dois mil anos de trajetória reúnem luzes e sombras, contribuições e percalços. Natural, afinal, se na vida de uma única pessoa existem sucessos e fracassos, imagine na vida de um corpo que reúne multidões incontáveis, com 20 séculos de percurso. Uma coisa, porém, é verdade: os séculos XX e XXI já podem ser aplaudidos como um tempo de papas admiráveis. Nem sempre foi assim, infelizmente.
Agora, que estamos ainda em uma fase de transição entre Francisco e Leão, podemos observar mais uma vez como essa transmissão é importante e rica de significados. Francisco deixou uma marca indelével na História recente da Igreja, entre outros motivos, porque procurou dar início a processos fundamentais, como a sinodalidade. De fato, construir a experiência da fé católica de modo colegiado, se não é realmente uma invenção de Bergoglio, é sem dúvida uma contribuição sua. Tornar os processos mais dialogais, transparentes e coletivos é necessário para uma conjuntura social em que, se eu não me engajo, deixo de seguir.
Não é assim, afinal, o modo de proceder nas redes digitais? Parece ser assim, hoje, na vida eclesial. Francisco recuperou um aspecto central católico: o batismo nos torna todos igualmente agentes. Ninguém deve – nem pode – ser deixado de lado.
Leão XIV chega, então, em um momento decisivo. Sim, todo novo pontífice chega em momento decisivo: a hora de levar adiante o legado do seu predecessor. Até este instante, o novo papa dá demonstrações claras de que levará a herança de Francisco a termo. Certamente, com seus próprios matizes, mas igualmente certo de que o fará. Já deixou claro isso em seu discurso após o habemus papam, já retomou a mesma ideia em outras intervenções. A sinodalidade, parece, não é só necessária. É inadiável.
Resta, agora, um terceiro ponto para este debate: os católicos levarão esse legado adiante? Aqui, as respostas são mais turvas. Não fomos habituados a isso por nossa História. Sim, uma coisa que todo católico não aprendeu bem foi a ser verdadeiramente protagonista nos processos eclesiais. Fruto de uma longa tendência centralizadora em que sempre fomos educados, de uma lógica que via a obediência como autoritarismo e mando, e não como diálogo em vista da comunhão. Paciência, neste texto não procurarei culpados.
Procurarei responsabilizar a todos. Ou todos – todos, como repetia Francisco e agora repete Leão – caminhamos juntos, na consciência de um batismo comum, ou todos continuaremos vendo nossas igrejas perdendo... talvez, você imaginasse que eu falasse em perda de fiéis. Não, não é isso que mais me preocupa. Na verdade, não é isso que nos deve, primeiro, preocupar. A primeira ocupação – antes de preocupação – de todo católico deveria ser com a coerência, com a fidelidade. E os números viriam, ou nem viriam. Quem sabe?
O Homem que seguimos, definitivamente, ocupou-se em ser fiel até o fim. Pagou o preço por essa fidelidade. E Seu testemunho é límpido e transparente. Se nós bebermos dessa mesma fonte – límpida e transparente – tornaremos este mundo mais límpido e transparente. Como fez Francisco. Como está procurando fazer Leão. Como devo procurar eu mesmo fazer. E você, se quiser ser parte desse corpo de dois mil anos. Que teve e tem seus atropelos, mas continua servindo de farol em tempos tão escuros.
Gabriel Marquim é jornalista, professor universitário e fundador da Comunidade dos Viventes. É doutor em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco