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A morte do Deus Cristão

O secularismo tem a força de neutralizar a fé do homem em Deus e colocá-lo numa dimensão privada e interior, isolando-o de ligação com o sagrado

Por JC Publicado em 08/06/2025 às 0:00

ESDRAS CABRAL DE MELO


Vivemos em uma sociedade que, não faz muito tempo, assumiu uma ruptura definitiva com Deus. Em meados do século XIX, foi declarada a morte do ‘‘velho Deus’’ do cristianismo, nas palavras do filósofo Nietzsche, em seu livro ‘‘Assim Falou Zaratrusta’’, lançado em 1883, na Alemanha. A crença em um Deus cristão se tornou indigna de qualquer credibilidade, e o desejo de construir uma história sem a intervenção de um Deus transcendente revela o anseio do homem pela busca incessante de uma identidade, autoafirmação e liberdade absoluta.


A presença de um Deus cristão moralista frustraria o homem moderno cheio de si, orgulhoso, prepotente e senhor de seu destino. Este homem, embevecido com o veneno do ego absoluto, elege a ciência como a divindade suprema para resolução de todos os seus problemas, e Deus, neste contexto, passa ser apenas uma ideia da projeção humana (ilusão). A opinião filosófica, sobre o conhecimento científico e o saber da realidade da existência humana, não tem mais como ponto de partida Deus, que deste então vinha superando o homem em tudo; pelo contrário, agora é o próprio homem que se descobre divino, majestoso milagroso e com capacidades inimagináveis de construir a própria história, sem mais a interferência desse Deus.


Mesmo assim, com toda essa tirania e investida filosófica da inexistência de Deus, o homem, por mais que tente, não consegue negá-lo e nem tirá-lo de sua consciência. Então a solução foi a proposta Nietzscheana de ‘‘matar Deus’’, mesmo que seja uma morte meramente conceitual; ou seja, a morte do conceito de um Deus poderoso e absoluto, e não necessariamente a morte ontológica de Deus, a morte do Deus em sim mesmo.


E qual foi o resultado inevitável desse pensamento social que abandonou Deus para seguir o seu próprio caminho? Foi de uma sociedade secularista, onde a vida se limita apenas a este mundo. O conceito de secularismo, adquire e traz o significado de ‘‘mundo’’, ‘‘a vida do mundo’’ e ‘‘o espírito do mundo’’. É justamente neste significado de mundo temporal, onde reside uma fortíssima separação, da divisão entre a fé e a vida.

O secularismo tem a força de neutralizar a fé do homem em Deus e colocá-lo numa dimensão privada, individual e interior, isolando-o de qualquer ligação com o sagrado. Temos aqui uma clara hostilidade quando a Bíblia e a mensagem do Evangelho se propõem como verdades absolutas, propondo a fé à vida Pública.


O homem do nosso tempo está fragmentado, perdido e sem razão, pois não encontra o sentido de viver e consome seus desejos hedonistas na tentativa de dar uma resposta ao dilema de sua existência. O filósofo de linha existencialista Arthur Schopenhauer era um pessimista da vida e acreditava que nada poderia alterar o resultado final de sua própria fatalidade. Ele afirmava que ‘‘Para a maioria dos homens, a vida não é outra coisa senão um combate perpétuo pela própria existência, que ao final será derrotado.’’ Este homem, no pensamento filosófico de Shopenhauer, está fragmentado e é possuidor do seu eu irracional.


Este homem não consegue transcender e vislumbrar o sagrado, o divino que não está distante, mas dentro dele. Lembro das palavras do teólogo Agostinho: “Oh Deus, tu estavas dentro de mim e eu fora’’. Essa é a condição do homem, fora e vazio de Deus. A ausência de sua fé e confiança em Deus é sentida a cada decisão que ele toma, buscando no mundo secular o que a alma dele deseja, mas não se farta, porque ela sempre estará inconformada e infeliz e isso se resulta numa razão última de sua vida.


A sintomatologia de todas essas crises existenciais na sociedade secularista tem causado lesões profundas no homem, em sua dimensão psicossomática, sua alma e corpo, juntamente com o seu espírito. Ele perdeu a sensibilidade com a transcendência, recorre a tantos meios físicos que sua dependência materialista o cegou, não enxergando mais os meios metafísicos (espirituais) que possibilitam a intervenção divina em sua vida.


A Humanidade, segundo levantamentos realizados pelos meios responsáveis da área de saúde, nos traz dados alarmantes sobre a condição do ser humano face aos distúrbios mentais e doenças psicológicas, tais como: transtorno de ansiedade, depressão, demência, transtorno bipolar, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo, estresse pós-traumático, transtornos alimentares, somatização, comportamento suicida e tantos outros distúrbios, transtornos, síndromes e doenças psicológicas.


Se estamos fragmentados, vulneráveis e sujeitos a todas essas doenças que atormentam a humanidade, o que fazer? Reconhecer que não existe mensagem mais poderosa para transformação do homem, em todas as suas dimensões, do que as Sagradas Escrituras, nela, e somente nela encontramos o consolo para todos os dilemas da existência humana. ‘‘Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, o qual é a salvação da minha face, e o meu Deus.’’ Sl. 42.11


Reconhecer que a ausência do transcende na vida de milhares de pessoas não significa que não há um Deus, que é real, nos assiste em nossas dores e aflições e jamais nos abandona, ainda que possa parecer estar distante de nós. ‘‘...ainda que não está longe de cada um de nós; porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos...’’ At.17. 27,28


‘‘Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação; Que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus. Porque, como as aflições de Cristo são abundantes em nós, assim também é abundante a nossa consolação por meio de Cristo’’ 2 Co. 1. 3-5.


Esdras Cabral de Melo: Teólogo, Historiador, Psicanalista, Educador e Escritor brasileiro. Membro da APEL

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