ÉRICA RODRIGUES
Há um quadrinho genial do Peanuts em que o Snoopy e o Charlie Brown estão sentados à beira de um rio e o garoto fala: “é, Snoopy… um dia todos nós vamos morrer”. Ao que o cachorro, muito sabiamente, responde: “é, mas todos os outros dias, não”. Atualmente, a sociedade ocidental desenvolveu um verdadeiro tabu em relação à nossa própria finitude, apesar da morte ser um processo natural e esperado para todos nós. Sabemos que a morte é a única certeza verdadeira que temos na vida, porém grande parte das pessoas vive evitando pensar nela.
Lembro-me que na infância, muitas vezes eu passei à porta de um cemitério que tinha escrito em sua fachada: “aqui reina a igualdade”. Tal inscrição sempre me intrigou muito. Afinal, a igualdade costuma ser encarada como algo tão utópico e distante. Porém, se pararmos para pensar bem, a morte é mesmo esse nivelador de criaturas. Não importa se somos bons, maus, ricos, pobres, gays, héteros, jovens ou idosos, um dia todos nós vamos morrer.
Os avanços da medicina, assim como a nossa forma de viver, tão focada na aparência, com o "boom" dos procedimentos estéticos e cirurgias plásticas, faz o envelhecimento e a morte parecerem inimigos a serem combatidos. É claro que todos queremos buscar qualidade de vida e curas de doenças, mas será que o medo da nossa própria finitude não está nos impedindo de viver plenamente todos esses dias em que não vamos morrer?
Dentro da Doutrina Espírita há uma frase famosa que muitos atribuem ao codificador Allan Kardec, apesar de não haverem indícios de que as palavras sejam de fato dele, que diz: “nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre… tal é a lei”. Sabemos que o sentido da vida é viver, mas o que de fato significa esse verbo? Na questão 150-b de O Livro dos Espíritos, Kardec pergunta: “A alma nada leva consigo deste mundo?” e os Espíritos respondem: “Nada, a não ser a lembrança e o desejo de ir para um mundo melhor, lembrança cheia de doçura ou de amargor, conforme o uso que ela fez da vida. Quanto mais pura for, melhor compreenderá a futilidade do que deixa na Terra”.
Recentemente tive o prazer de ler a obra “A morte é um dia que vale a pena viver”, na qual a Dra. Ana Claudia Quintana Arantes traz reflexões tiradas do seu dia a dia como geriatra especializada em cuidados paliativos. Ela trata pacientes terminais, aqueles a quem a medicina não apresenta mais chances de cura. Talvez seja um caminho natural pensar que se trate de um livro triste, mas na realidade é uma das obras mais cheias de genuína alegria que li na vida. A médica nos mostra que, para aqueles que têm consciência de estarem em seus últimos dias nesta Terra, a vida ganha cores muito vívidas. Então, muitas vezes é preciso ter consciência da nossa morte para aproveitarmos bem a nossa vida.
A Doutrina Espírita, enquanto consolador prometido por Jesus, nos traz mais uma camada de entendimento à questão. Sabemos que a vida não cessa no túmulo, que no plano espiritual seguimos vivos, mas também sabemos que a encarnação é uma oportunidade única. Os Espíritos nos alertam que a alma leva consigo lembranças cheias de doçura ou amargor, a depender do uso que fez daquela encarnação. Com isso, que possamos então nos lembrar e sermos gratos a cada dia em que acordamos encarnados, como mais uma chance de progredir no nosso aprimoramento moral. Afinal, um dia todos nós vamos morrer, mas em todos os outros dias, não.
Érica Rodrigues, jornalista e trabalhadora voluntária da Federação Espírita Pernambucana (FEP)