Judeus

O mês de Av: do luto à alegria

IARA MARGOLIS
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IARA MARGOLIS
Publicado em 09/08/2020 às 6:00
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O judaísmo segue o calendário lunissolar. Apesar de ter 12 meses há uma variação de alguns dias diante do calendário gregoriano. Esta diferença é revertida com um mês extra - Adar 2 - que ocorre 7 vezes a cada 19 anos. Sem querer adentrar muito, pois este calendário é bem complexo e tem interferência direta do Talmud - como por exemplo a variação de dias dos meses de Kislev e Cheshvan - os anos podem variar de 353 dias até 385 dias.

Como tudo no judaísmo os dias e os meses tem vários significados. Julho é o mês de Av - derivação de pai em hebraico - mas este mês tem como simbologia a vontade divina. Um mês com duas datas fortes o dia 9 de Av (Tisha B'Av) e o dia 15 de Av (Tu B'Av), correspondentes neste ano ao dia 30 de julho e 5 de agosto de 2020, respectivamente.

E o que tem essas duas datas em especial? O dia 9 de Av é considerado o dia mais triste do calendário judaico e por isto é um dia de luto. Historicamente foi o dia de diversos acontecimentos tristes/trágicos para o nosso povo, mas o principal fator foi a destruição dos nossos dois Templos Sagrados (o primeiro pelos babilônicos e o segundo pelos romanos). Entre expulsões e início de eventos ruins, também foi o dia da "condenação" da permanência dos 40 anos no deserto ao sair do Egito - com Moisés.

Uma tradição bem conhecida judaica é a quebra do copo no casamento. A quebra do copo também tem vários significados, mas um deles é a lembrança de destruição do Templo. Isto mostra como este fato tem um impacto grande na nossa história. Tão grande que é lembrado em um momento alegre e pessoal, como o casamento. O Templo era o local de junção entre o divino e o terrestre. O casamento é uma instituição divina, um dos 10 mandamentos e também uma das bases do judaísmo. Aron Moss faz o paralelo entre estes dois eventos e afirma que "o único antídoto para a fragmentação é a unidade. E a unidade mais profunda é sentida num casamento." É como se o encontro das almas reconectasse um pouco esta destruição. É a ligação do homem com D'us novamente. Em uma analogia entre o micro e o macro, entre o pessoal e o comunitário-social.

O judaísmo tem um respeito muito grande pela sua história. Lembramos para nos preservar. Lembramos para não repetir. Lembramos em respeito aos nossos antepassados. Lembramos para nos inspirar e aprender. E por diversas vezes lembramos por ser uma mitsvá - são os 613 mandamentos do povo judeu que muitas vezes corroboram com uma boa ação que une o corpo, a alma e a mente a D'us. - É uma mitsvá fazer jejum em dias como o Tisha B'Av. O jejum é visto no judaísmo como uma oportunidade de refletir ou ainda de purificar, como o jejum dos noivos no dia do casamento. Há cinco dias no calendário judaico para se jejuar, apenas dois deles são de jejum "completo" de 25 horas: o dia do perdão (Yom Kipur) e o Tisha B'Av. Ambos, além da restrição de comida e bebida, têm uma série de outras proibições. Ressalto que o Yom Kipur é um dos dias mais importantes do judaísmo, o que demonstra a relevância do Tisha B'Av. Estas restrições "a mais" podam qualquer tipo de alegria neste dia evitando, assim, os prazeres mundanos.

Apesar de ter este "ponto baixo" no mês de Av, há o "ponto alto" que é o dia 15 de Av, ou o Tu B'Av. Este é um dia de reconciliação, de amor e de alegria, onde historicamente finalizam diversos episódios tristes. Um exemplo foi o término das mortes da "geração do deserto" de Moisés - ou seja, o fim das milhares de mortes que ocorreram durante os 40 anos.

É dia do amor, pois neste dia foi permitido o casamento entre as 12 Tribos de Israel. É um dia de casamentos, que novamente volta à junção das almas e à convocação divina. Para o judaísmo o amor faz parte da realização da vida e assim o dia 15 de Av se tornou uma espécie de "dia dos namorados" repleto de festividades e romantismo. É tanta alegria, que neste dia o jejum dos noivos está dispensado. Esta é a maior festa do ano perto de Yom Kipur. Na realidade, segundo o Talmud, este é um dos dois dias mais felizes do ano, junto com o Yom Kipur.

O calendário judaico é uma forma de preservar nossa história. E da mesma maneira que o tempo é contado de uma forma diferente, os dias também o são. Um dia inicia com a primeira estrela da noite anterior, em uma alusão da saída da escuridão para a luz. E assim é a vida, onde existe tempos mais sombrios e tempos mais iluminados. Esta dualidade de Av - saindo do dia mais triste ao dia mais feliz - nos ensina a ter esperança, a sonhar e a não desistir. Em tempos sombrios como a pandemia que nos encontramos, que logo apareça a luz. Até lá, vamos sonhar, não se desesperar e agir, pois nosso tempo é só um: o presente.

Iara Margolis é engenheira de produção e mecânica, com doutorado em design emocional. Autora e professora universitária.

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