O Arco Metropolitano e o preço do amanhã: BR-101 é subutilizada por falta de gestão pública do tráfego
Restrição do uso da BR-101 durante o dia todo por veículos pesados é absolutamente razoável e necessária, alerta engenheiro em artigo

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Confira o artigo assinado pelo engenheiro civil e presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Civis (ABENC/PE), Stênio Cuentro, sobre os impactos ambientais e de mobilidade com a criação da quinta perimetral da Região Metropolitana do Recife - mais conhecida como Arco Metropolitano.
No artigo, o engenheiro alerta que o contorno da BR-101 é subutilizado e que o ordenamento do tráfego ao longo do dia garantiria melhores níveis de serviço nos 30 quilômetros que vão de Abreu e Lima a Jaboatão dos Guararapes.
Em resumo, defende que a restrição do uso da via durante o dia todo é absolutamente razoável e necessária.
Por Stênio Cuentro
Para o usuário comum, que trafega no dia a dia pela BR-101, anel de contorno do Recife, a 4ª. Perimetral, das 7 da manhã às 8 da noite, isso é motivo de queixa, muita reclamação. Com razão. O tráfego é sempre lento, tem muitas lombadas eletrônicas, os pedestres cruzam a via a todo instante, carros entram e saem vindo da esquerda e da direita, os ônibus param a todo instante para embarque e desembarque de passageiros, tudo isso numa rodovia federal, um horror. Êpa.
Estamos falando de uma via urbana, no horário comercial, contornando a maior região metropolitana de Pernambuco, sem ter sido planejada para tal uso, ocupada desordenadamente em ambos os lados, sem acostamento em muitos lugares, sinalização e manutenção inexistente, sem iluminação, policiamento ou operação necessária que a via requer, sem eira nem beira. Daí a insatisfação do motorista, do pedestre e de todo mundo. Daí a utilizar essa argumentação e essa raiva toda para justificar a construção da 5ª. Perimetral, a muitos quilômetros desse núcleo urbano, cortando a única e última reserva e área de proteção ambiental da metrópole, a APA Aldeia/Beberibe, vai um longo caminho.
EDUARDO CAMPOS, SE VIVO FOSSE, OUVIRIA OS TÉCNICOS MAIS UMA VEZ
O ex-governador Eduardo Campos, prometeu essa obra a quem se instalou entre Igarassu e Goiana, inclusive a FIAT. Se conosco ainda estivesse, certamente escutaria nossos argumentos, assim como o fez e desistiu da construção dos viadutos sobre a Agamenon Magalhães, no Recife.
Tecnicamente falando, a construção do Arco Metropolitano carece de estudos sérios que justifiquem uma obra cujos impactos negativos seguramente superam os benefícios, começando pela redução na produção e acúmulo de água nos 31 mil hectares da APA Aldeia/Beberibe. Na regulação do clima e das chuvas, na agressão à fauna e à flora.
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O que é mais importante? Uma rodovia ou a água para quase 5 milhões de pessoas? Destruir vestígios importantes da Mata Atlântica porquê e para quê? Mas, a falta d´água, daqui a pouco, vai ser o Preço do Amanhã. Quando a água faltar e ficar muito cara. Esse preço ninguém se livrará de pagar se quiser água. Quanto? E para quem falta sempre, como será?
CONTORNO URBANO DA BR-101 É SUBUTILIZADO ATÉ HOJE
Tecnicamente falando, o contorno BR-101 só é utilizado em 50% de sua capacidade nominal. Algo como metade o dia todo. Isso leva à conclusão imediata de que o ordenamento do tráfego ao longo do dia garantirá melhores níveis de serviço nos 30 quilômetros que vão de Abreu e Lima a Jaboatão dos Guararapes. É isso mesmo.
Restrição do uso da via durante o dia todo é absolutamente razoável e necessária. Uma contagem recente de tráfego realizada na altura de Prazeres, mostrou que até as 20 horas o tráfego é intenso, múltiplo, diverso, carga e transporte de passageiros, automóveis, enfim, todo mundo usa a rodovia nesse horário, a partir das 20 horas a demanda se reduz a menos da metade. E aí sobra a rodovia.
Quem se lembra do horário do serviço de coleta de lixo na maioria dos bairros de Recife? E a carga e descarga? Sempre depois das 21 horas. Você, leitor, acha que a FIAT e outras indústrias localizadas na RMR dependem, dependeram ou dependerão do Arco Metropolitano? Ledo engano. Nos planos de negócio de cada uma dessas mega indústrias, que dispõem de controle sobre suas frotas e dos seus fornecedores, alterar e ajustar horários é simples, faz parte do seu planejamento.
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Basta circular na região de Goiana após as 20 horas e verificar o que estou afirmando. Os caminhoneiros - autônomos também -, só circulam à noite e na madrugada, gastam menos combustível, pneus, veículos. Será que são menos inteligentes que os outros? Chegue em um posto de gasolina estruturado, depois das 18 horas e observe os caminhoneiros. Estão jantando, vendo televisão, descansando. É Lei. 11 horas de descanso por dia. Depois, seguem viagem. O clima está mais ameno.
A EXPERIÊNCIA DA AVENIDA AGAMENON MAGALHÃES, NO RECIFE
Lembro que até 1995 a Avenida Agamenon Magalhães era a nossa Perimetral, projetada como via de ligação rápida entre Recife e Olinda e tinha circulação restrita às vias centrais. Há 30 anos incorporamos as pistas locais ao fluxo, fizemos a modernização dos controladores de semáforos, aumentando a capacidade de circulação em até 50%.
Já era uma via urbana, ocupada em ambos os lados, ligando dezenas de bairros. 15 anos depois, já em 2010, sugeri ao engenheiro João Braga, secretário de Recife, reduzir, com uma nova pintura, a largura das 4 faixas de rolamento centrais de 3,50 para 3,0 metros, criando uma faixa exclusiva para ônibus do lado direito, proibindo os retornos à esquerda e implantando a ciclovia ao longo do canal. Semáforos mais modernos e inteligentes.
Foi feito. Com isso, em 30 anos a Agamenon, no mesmo espaço físico, passou de 4 faixas de rolamento por sentido, para 7, incluindo as bicicletas. Aumentando a capacidade de circulação para os atuais 70 mil veículos por dia. O dobro da BR-101. A um custo infinitamente baixo. Engenharia, planejamento, sinalização, juízo, muito juízo. Isso é racionalizar, organizar e priorizar o trânsito sem a necessidade de novos investimentos ou obras.
ENGENHARIA, PLANEJAMENTO E DECISÃO POLÍTICA
Fato é que a BR-101 está inacabada, envelhecida, apesar de recém reformada, e sem dono. No curto prazo, além da restrição de circulação de caminhões no horário comercial, a implantação de faixas exclusivas para ônibus, restauração de acostamentos, rampas de acesso e saída, a construção do viaduto da Muribeca, o alargamento do pontilhão sobre o Rio Beberibe e do viaduto em Jardim Paulista, um conjunto de melhorias podem ser realizadas, muito mais baratas que o Arco e que terão melhor resultado de imediato. Recursos para essas melhorias existem e que vão muito mais que duplicar a sua capacidade de operação. Exatamente como foi feito na Agamenon. Engenharia, planejamento e decisão política.
Também no curto prazo, e no intuito de preservar a nossa única reserva ambiental na RMR, o Estado de Pernambuco pode aprimorar e tornar mais rigoroso o enquadramento ambiental da APA Aldeia/Beberibe, passando-a para área de Preservação Rigorosa, sem desmatamento, sem que novos loteamentos e sem que planos de urbanização sejam autorizados no seu interior.
Replantar o que foi arrancado, devolver ao conjunto do ambiente a sua capacidade de acumular e fornecer água, regular o clima, ampliar a flora e a fauna. A criação de uma taxa de preservação ambiental, de R$ 0,30 trinta centavos por mil litros de água extraída da APA, poderá resultar em mais de R$ 150 milhões de reais por ano e prover os recursos necessários ao plano.
Hoje já se paga R$ 15,00 por mil litros de água da COMPESA e vai passar a pagar R$ 15,30 e com isso garantir esse valioso bem – a água, para seus filhos e netos. Pense 2 vezes. É por você, seus filhos e netos, repito. Para visitar Fernando de Noronha, opção dos abastados, o turista paga hoje R$ 90,00 por dia de taxa ambiental.
MELHORIAS NA PE-41 PRECISAM SER ESTUDADAS
No médio prazo, estudar uma melhoria da rodovia estadual PE-41, pavimentada e existente, que passa na frente da Usina São José, entre a BR-101 em Igarassu e a BR-408 em Carpina, elevará sua classe para nível III, com velocidade diretriz de 60 km por hora, a um custo de R$ 60 milhões, significará uma obra 30 vezes mais barata que o Arco e uma boa alternativa ao tráfego de passagem para quem deseja evitar o centro da RMR e ainda vai conectar ao trecho 2 do Arco Metropolitano, este já em obras. Para aquele caminhoneiro desavisado, apressado, que não quer esperar no posto de gasolina essa poderá ser uma opção de chegar em Suape ou seguir na direção norte/sul.
Pense nisso, caro leitor.
Stênio Cuentro é engenheiro civil e presidente da ABENC/PE.