Até quando?
Os violentos têm de ser banidos dos estádios, com policiamento e ferramentas de identificação facial. Para as organizadas, monitoramento permanente

O pesadelo real do último sábado, quando “torcedores” de dois importantes times de futebol do Estado resolveram fazer do espaço público urbano praça de guerra, nem é inédito, nem surpreendente, nem tem como ser contornado lançando-se mão da velha retórica, inclusive oficial, da indignação.
Não se está dentro de uma sala de aula de crianças na qual o professor coloca em suspensão o aluno indisciplinado e depois chama os responsáveis para conversar.
O que será que nos mantém reféns até hoje desses neo-terroristas? Eis a primeira pergunta a ser feita.
Entre os especialistas, parece existir um consenso de que somente prender não resolve. Seja porque o sistema carcerário é um instituto falido, seja porque inócuo enxugar gelo, sendo muito mais inteligente empenhar-se por um pacto de conscientização entre governos, clubes, autoridades de segurança, atletas e torcidas.
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Também não adianta endurecer leis ou redigir outras, como a Lei Geral do Esporte (14.597/2023), substituta do Estatuto do Torcedor, que estende ao clube e torcidas organizadas a responsabilidade civil por atos de violência, com multas que podem chegar a R$ 2 milhões. Nem isso tem tem funcionado.
A legislação precisa de um energético. Convoca a iniciativas rigorosas de fiscalização de torcedores com antecedentes criminais. Os violentos têm de ser banidos dos estádios, com policiamento especial e ferramentas de identificação facial. E as torcidas organizadas impõem monitoramento permanente até fora de dias de jogos.
Muitos citam no debate o fenômeno do hooliganismo, que é de origem inglesa e cujo primeiro grande incidente se passou em 1902, com 25 mortos e 483 feridos. Outros lembram da tragédia de Heysel, em Bruxelas, em 1985, com centenas de feridos e 39 mortos, berço do movimento inicial para uma legislação específica
antiviolência nos esportes.
Organizadas espalham terror por ruas do Recife antes de clássico entre Santa Cruz x Sport
Os mais preciosistas destacam o Comitê Permanente da Convenção da Europa (1985), a Comissão Nacional contra a violência nos Espetáculos Esportivos da Espanha (1990), a Associação Francesa para o Desporto Sem Violência e para o Fair Play (1992), o Conselho Nacional contra a Violência no Desporto de Portugal (1998). Então, para estes, o problema seria global e não uma jabuticaba brasileira.
Besteira. Cortina de fumaça. Gustavo Hermínio e Olga Marcondes de Moraes em “Futebol e Violência: Freud Explica?” (UERJ, 2010), contextualizam de forma mais convincente: “Enquanto o torcedor comum é mero espectador numa partida, o ‘torcedor organizado’ considera-se parte, quando não o próprio espetáculo”. E continuam: “O torcedor nesse agrupamento releva seus próprios valores em nome de algo considerado maior que ele mesmo. Trata-se de um agrupamento provisório, com elementos heterogêneos, unidos pontualmente no futebol, numa partida do jogo, que determina uma forma de agir quando unido, e outra forma diversa, quando seus componentes são analisados de maneira isolada”.
Já em "Psicologia de grupo e análise do ego", Freud aponta, sobre as formações grupais, seus três pressupostos básicos: possuir um ideal que os una, apresentar uma interação sob a forma de rivalidade com grupos semelhantes e contar com uma estrutura hierárquica bem definida. O que faz concluir que, nas torcidas organizadas no futebol, coexistem as três marcas. Freud diz, também, que, embora possa praticar atos de vandalismo quando isolado, o indivíduo normalmente participa dessas ações violentas quando em grupo. E por que? Pela possibilidade de utilização da proteção do grupo para se fortalecer, superando o medo.
Faz sentido. Em uma sociedade que busca a satisfação pessoal, o prazer e a realização ao invés de ordem, com uma lei que não se sustenta, a violência é meio de fuga para os impasses. Os conflitos tendem então a ser resolvidos pela violência.
O que se viu nas ruas do Recife no último 1° de fevereiro não foi só vergonhoso, como uma realidade análoga ao terrorismo. O espalhar do caos e do medo para a transmissão de uma mensagem. Domar esta neo-criminalidade tem de ser uma política de inteligência permanente. Não dá mais para insistir em enfrentar o mal com fitoterápicos. É uma criminalidade multitudinária. Trate-se-a como tal.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado