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Imposto de Renda: "Aperitivo" do governo deixa tributação de empresas de fora, diz especialista do Ipea

Proposta do governo Lula é "pequena" e ignora tributação empresarial, avalia Gobetti (Ipea), Sérgio Gobetti, renomado especialista em tributação

Por Estadão Conteúdo Publicado em 26/04/2025 às 23:12 | Atualizado em 26/04/2025 às 23:13

O economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Sérgio Gobetti, renomado especialista em tributação, considera a recente proposta de reforma do Imposto de Renda (IR) enviada pelo governo ao Congresso Nacional como um mero "aperitivo" de uma transformação estrutural e abrangente do sistema tributário brasileiro.

Em sua análise, o "prato principal" ficou de fora: alterações significativas na tributação das empresas, que, segundo ele, deveriam ser reduzidas, com a respectiva compensação através de um aumento da tributação sobre as pessoas físicas.

Para Gobetti, essa abordagem poderia sustentar uma faixa de isenção elevada para a população de menor renda, ao mesmo tempo em que criaria novas faixas de cobrança para as rendas mais altas, corrigindo as distorções existentes no sistema tributário atual.


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"A proposta ameniza a falta de progressividade (cobrar mais de quem ganha mais) do nosso sistema, mas não estabelece um novo modelo", afirmou o especialista em entrevista ao Estadão.

O projeto apresentado pelo governo federal propõe a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês. A perda de receita decorrente dessa medida seria compensada pela criação de um imposto mínimo sobre a alta renda.

Principais Pontos da Análise de Sérgio Gobetti (Ipea) sobre a Reforma do IR:

  • Reforma como "Aperitivo": Gobetti classifica a proposta atual como um passo inicial, distante de uma reforma estrutural completa.
  • Ausência da Tributação Empresarial: O especialista critica a falta de discussão sobre a tributação das empresas, considerada um ponto crucial da reforma.
  • Necessidade de Redução da Tributação Empresarial: Em sua visão, a carga tributária sobre as empresas deveria ser diminuída.
  • Compensação com Imposto sobre Pessoas Físicas: A redução da tributação empresarial deveria ser compensada por um aumento do IR sobre as faixas de renda mais elevadas.
  • Manutenção da Faixa de Isenção Elevada: A reestruturação poderia preservar a isenção para quem ganha até R$ 5 mil.
    Criação de Novas Faixas para Rendas Altas: A proposta ideal incluiria novas alíquotas para as maiores rendas, promovendo maior progressividade.
  • Amenização da Falta de Progressividade: Gobetti reconhece que a proposta atual suaviza a regressividade do sistema, mas não a elimina completamente.
  • Falta de um Novo Modelo Tributário: O especialista argumenta que o governo não apresentou um modelo tributário fundamentalmente diferente do atual.
  • Compensação da Isenção com Imposto Mínimo: O projeto do governo busca compensar a isenção da baixa renda com um imposto mínimo sobre a alta renda.

Qual a sua avaliação sobre a proposta do governo?

A proposta vai na direção correta, ao adotar um paliativo que atenua a falta de progressividade tributária no topo da pirâmide social, onde as pessoas mais ricas pagam, em média, pouco Imposto de Renda, mesmo quando considerada a tributação efetiva que os lucros sofrem na empresa. O ‘imposto mínimo’ ameniza esse problema, é um bom aperitivo, mas ainda falta o prato principal em termos de uma reforma estrutural e mais ampla, que corrija as múltiplas distorções que temos em nosso modelo de tributação.

O que faltou?

A proposta ameniza a falta de progressividade, mas não resolve isso do ponto de vista estrutural, nem enfrenta as várias dimensões em que nosso modelo tributário falha em tratar os contribuintes de forma mais equitativa e neutra. No caso das empresas, por exemplo, há inúmeros regimes especiais e brechas na legislação que fazem com que a tributação efetiva do lucro varie de 4% a até 34%, com uma média em torno de 16%. E, muitas vezes, a baixa tributação desse lucro está favorecendo pessoas de alto poder aquisitivo, e não o pequeno empresário empreendedor. Então, é preciso enfrentar e corrigir essas distorções para tornar o sistema tributário mais equitativo e também menos ineficiente.

O País deveria tributar menos as empresas e mais as pessoas físicas?

Sim, esse é um movimento que a maioria dos países do mundo tem feito nas últimas décadas, e o Brasil já está muito atrasado em seguir esse caminho. Somos um dos pouquíssimos países do mundo que concentram toda tributação do lucro nas empresas e isentam os dividendos no momento da distribuição - o que causa as distorções que eu já mencionei e ainda prejudica a competitividade, pois as grandes empresas do mundo buscam se instalar onde a alíquota de IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) é menor.

Como fazer essa mudança e, ao mesmo tempo, corrigir as distorções?

Há várias formas de voltar a tributar dividendos na pessoa física e integrar essa tributação com a das empresas. Uma delas é por meio de um modelo amplo de tributação das rendas, a exemplo do que faz a Austrália e até alguns países latino-americanos, como México e Chile. Nesse modelo, você soma salários, lucros, rendimentos financeiros e submete tudo a uma mesma tabela de alíquotas progressivas. E, nesse modelo, você pode oferecer uma compensação pelo que foi pago de imposto sobre o lucro das empresas. Aí, eu consigo tributar as altas rendas com alíquotas que podem chegar a 35% ou 40%, mas descontando o que foi pago na empresa, reduzindo a assimetria que hoje existe entre sócios de empresas que pagam pouco e aqueles que pagam muito.

Parecido com o que foi feito com a tributação da alta renda?

Exatamente, mas de um modo mais estrutural e com alíquotas progressivas. Esse tipo de modelo permitiria matarmos três coelhos de uma vez: primeiro, porque aumentaria a progressividade, com alíquotas maiores para quem ganha mais; segundo, porque praticamente eliminaria a assimetria de tributação das empresas, neutralizando as vantagens de umas sobre as outras, porque o pagamento do IRPJ passa a ser só um estágio do cálculo final do imposto devido por cada pessoa na declaração anual do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física). Quem tiver pagado bastante imposto na empresa vai abater do imposto devido como pessoa física. E, por fim, esse modelo permite absorver uma faixa de isenção mais ampla na tabela do IRPF, aplicada ao somatório de todos os tipos de renda.

Os Estados alegam que terão perdas com o IR que incide sobre a folha de pagamentos do funcionalismo.

De fato, haverá essa perda, que eu estimo em torno de R$ 10 bilhões, referente ao IR que Estados e municípios hoje arrecadam sobre os salários de seus servidores. Esse imposto não entra no cofre da União, é retido pelos Estados e municípios. Só que, nessa conta, também é preciso considerar o ganho que Estados e municípios terão com a nova tributação sobre dividendos e altas rendas, pois 48% dela será partilhada por meio do FPE (Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal) e do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), proporcionando uma compensação, que não sabemos ainda se será total ou parcial.

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