ENTREVISTA | Notícia

Marcos Troyjo: Brasil deve ampliar mercado com a Ásia, mas evitar o surgimento de uma "aliança antiocidental" no BRICs

Ex-presidente do banco do BRICs defende que País mantenha reformas estruturantes e potencialize acesso a mercados pela indústria nacional

Por JC Publicado em 10/04/2025 às 6:00

Marcos Troyjo é economista, diplomata, acadêmico e escritor, com ampla atuação nas áreas de economia internacional, comércio exterior e geopolítica. Foi presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), instituição financeira criada pelos países do BRICS, onde liderou iniciativas de financiamento ao desenvolvimento sustentável e cooperação econômica. Ex-secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia do Brasil, desempenhou papel fundamental na formulação de políticas comerciais e na negociação de acordos internacionais. Nesta quinta-feira (10), Troyjo participa de evento na sede da Fiepe, no Recife, para debater o cenário econômico nacional e internacional para a indústria. Com inscrições gratuitas no site da Fiepe. Ao Jornal do Commercio, ele falou sobre a nova era da política externa dos Estados Unidos, a viabilidade da indústria brasileira e o novo jogo geopolítico que a economia brasileira deve se inserir daqui para a frente. Confira os principais trechos: 

JC - Como o cenário econômico global impacta diretamente a indústria brasileira? Quais são os principais desafios enfrentados pelas empresas no atual contexto de volatilidade política e econômica?

Marcos Troyjo- O mundo está ficando mais importante para a indústria brasileira e a indústria brasileira está ficando mais importante para o mundo por três razões. A primeira: o Brasil é uma superpotência da agroindústria, com vantagens comparativas importantes, seja no campo das energias renováveis, seja no campo das energias tradicionais. O Brasil é um grande destino e parceiro daquilo que a gente poderia chamar de industrialização verde. Ou seja, uma indústria que se alimenta de diferentes matrizes energéticas e que ajuda a descarbonizar a economia.

A segunda razão é que, nos últimos 30 anos, houve uma maciça alocação de investimentos industriais no Sudeste Asiático e mais especificamente na China. E hoje existe uma tendência de empresas multinacionais a diminuir a sua exposição a risco na China. Os investimentos estrangeiros diretos na jurisdição chinesa estão caindo de maneira muito pronunciada. Investimentos industriais, sobretudo de empresas ocidentais, em países como a Rússia ou em outras nações que antigamente faziam parte da União Soviética, não é necessariamente uma opção viável. Hoje a União Europeia, os países da União Europeia, têm em suas principais economias um flerte com a recessão. E os Estados Unidos, que sempre foram uma grande fonte de previsibilidade e estabilidade, hoje passam por uma política comercial e industrial bastante atribulada, o que aumenta a percepção de risco por parte daqueles que estão desenhando estratégias industriais. Nesse contexto, o Brasil aparece com importantes credenciais para a sua neoindustrialização.

Em terceiro lugar, como a maior economia do mundo, uma economia que representa 25% do PIB global, que é a economia dos Estados Unidos, tem implementado recentemente uma política em relação às exportações de outros países para o seu mercado interno, que tem alíquotas de entrada muito mais altas do que aquelas impostas ao Brasil. O Brasil, de repente, ganhou uma distância competitiva em relação a outros atores, que aumenta a atratividade dos investimentos industriais do Brasil.

JC - Recentemente, o presidente Trump implementou taxas de importação sobre o aço e alumínio. Como essas decisões podem impactar a economia interna do Brasil, especialmente em relação à indústria?

Marcos Troyjo - Me parece que em determinados setores do complexo aço e alumínio, ainda que com a imposição de tarifas de 25%, o produto brasileiro continua competitivo. Como essa imposição tarifária não foi restrita ao Brasil, ela é uma imposição setorial, todos os outros países que produzem e exportam aço também foram afetados. Então o efeito principal dessa medida se assemelha àquela situação em que o torcedor se encontra num estádio de futebol, ele está sentado na arquibancada, está sentado no 20º nível da arquibancada, e de repente o time dele bate para o ataque, o torcedor que está na primeira fileira fica super emocionado, fica de pé, e ao ficar de pé, ele impede o torcedor que está atrás dele de assistir ao jogo. O que força o torcedor que está atrás a ficar de pé também. Então de repente todo mundo fica de pé, continua a ver o jogo da mesma maneira, mas de uma forma menos confortável.

O objetivo provavelmente dessa imposição de tarifas é o incentivo à produção de aço nos Estados Unidos. Só que para fazer isso, os americanos teriam que ter um grande esforço de capital, direcionamento de recursos, para reconstrução de sua capacidade da produção de aço e alumínio, o que não vai acontecer no curto prazo, e provavelmente consumiria um caixa das empresas que machucaria a lucratividade. De modo que é uma medida que não afeta diretamente ao Brasil, mas todo o ecossistema de produção e consumo de aço e alumínio no mundo.

JC-  Com o aumento das tarifas sobre os produtos, incluindo os brasileiros, podemos enfrentar o que alguns especialistas chamam de "desvio de mercado". Como a indústria brasileira pode lidar com esse novo cenário?

Marcos Troyjo - Veja, eu acho que haverá como resultado das tarifas uma redefinição das rotas de comércio internacional. Uma parte desses desvios vai ser representada por potenciais menores investimentos em países que tinham acesso privilegiado ao mercado norte-americano, como é o caso do México ou do Canadá.

Até recentemente, uma empresa japonesa, uma empresa sul-coreana, uma empresa alemã, instalava operações no México, exportava para os Estados Unidos, e essas exportações eram tratadas como se fossem exportações do México para os Estados Unidos. Ou seja, era possível, de certa forma, contornar o tema das regras de origem.

Só que agora, como há muitas restrições em relação ao mercado americano, as produções vão se orientar por outros GPS. Por exemplo, vai aumentar o comércio entre a América Latina e a Ásia. Os europeus e os chineses, que estavam se estranhando até há pouco, voltaram a conversar e é de toda probabilidade que eles aumentem o seu intercâmbio comercial. Então, não é necessariamente um desvio, mas é, sobretudo, a construção e o adensamento de rotas de comércio alternativas, que vão necessariamente buscar novas oportunidades que não estejam necessariamente no mercado interno dos Estados Unidos.

JC - A Confederação Nacional da Indústria (CNI) defende o diálogo entre Brasil e Estados Unidos para resolver a questão. Qual é a sua opinião sobre essa abordagem? É viável e o que podemos esperar de um processo de negociação entre as duas nações?

Marcos Troyjo - Existe um nível negociador governo-governo. Existe um nível governador-empresa, de negociação empresa-empresa, o chamado B2B. Nesse momento, o governo de turno em Washington e o governo de turno em Brasília têm poucos canais de comunicação. São governos de visões de mundo muito diferentes. Por outro lado, o Brasil tem, nos Estados Unidos, o principal destino de suas exportações industriais. O principal destino de suas exportações de maior valor agregado.

E me parece que os negociadores americanos estão superestimando a capacidade própria que os Estados Unidos têm, eles mesmos, de fornecer elementos para as cadeias globais de valor ou para a montagem do produto final nos Estados Unidos, utilizando suprimentos dos próprios Estados Unidos. Isso significa que os compradores de produtos brasileiros, sobretudo os de natureza industrial, têm nos compradores americanos um grande aliado. E me parece que, nesse momento, a voz dos próprios compradores americanos, junto aos círculos decisórios de Washington, terá um peso maior do que simplesmente gestões protocolares do governo brasileiro. De modo que as empresas brasileiras terão de se engajar crescentemente em diálogo com os clientes americanos para que essas cadeias de fornecimento não se rompam.

JC - Há quem sugira a adoção da "lei da reciprocidade", que implicaria o aumento de tarifas sobre produtos americanos. Essa seria uma estratégia eficaz para proteger a indústria brasileira, ou poderia trazer mais prejuízos a longo prazo?

Marcos Troyjo - A reciprocidade é algo legítimo e é algo que faz parte do ferramental de instrumentos que uma nação tem para sua defesa comercial. No caso específico das relações com os Estados Unidos, nós podemos examinar caso a caso.

Minha impressão é que o Brasil emergiu comparativamente favorecido na imposição de tarifas a parceiros americanos quando comparado com outros fornecedores, como é o caso, por exemplo, das economias asiáticas. Então, seria muito difícil identificar vantagens específicas na imposição de tarifas sobre produtos americanos. Aliás, vale lembrar aqui que a animosidade nesse aspecto contra o Brasil é pequena, já que o Brasil é um dos poucos países do mundo que tem déficit comercial com os Estados Unidos. Agora, como regra geral, em valendo-se para outros mercados também, o Brasil deve ter a mão mecanismos de reciprocidade, como aqueles que foram aprovados pelo Congresso Nacional em uma lei aprovada há duas semanas.

JC-  Quais são as alternativas viáveis que o Brasil pode explorar para minimizar os efeitos das tarifas impostas pelos EUA, sem prejudicar sua competitividade no mercado global?

Marcos Troyjo - Continuar o processo de reformas estruturais, entre eles no campo administrativo e no campo da reforma do Estado, que venham a permitir ao ecossistema empresarial brasileiro gozar de uma carga tributária com um percentual do PIB menor, utilizar mercados alternativos para a exportação de seus produtos, como é o caso do mercado europeu, do mercado asiático e do mercado latino-americano, pressionar o governo federal para que ele tenha a sobriedade dos seus gastos públicos, de modo a que diminua a pressão sobre o Banco Central, permitindo, assim, uma queda nas taxas de juros. E, obviamente, trabalhar de uma forma muito assertiva com os institutos de treinamento para atividade industrial, como é o caso do SENAI, de modo a qualificar o trabalhador, o talento brasileiro, para essa chamada indústria 4.0.

JC-  Você acredita que a diversificação dos mercados pode ser uma solução para reduzir a dependência de mercados como os Estados Unidos? Quais outras regiões ou blocos econômicos poderiam ser foco de expansão para as empresas brasileiras? 

Marcos Troyjo - Hoje, a diversidade é fundamental. Agora, considerando a própria configuração da economia mundial e as características produtivas do Brasil, é natural que a gente tenha um fluxo comercial cada vez maior com a Ásia. A Ásia é o continente que mais cresce em relação aos demais, do ponto de vista econômico. É o continente onde se concentra a maior parte da população global. Quando você tem a população crescendo e a economia também crescendo a partir de patamares de renda razoavelmente baixos, isso se reflete numa demanda muito grande por bens em que o Brasil tem vantagens comparativas, como é o caso dos bens da agroindústria, ou bens energéticos, ou bens de mineração. Então, hoje, de cada dois dólares que o Brasil exporta, um vai para a Ásia.

E o que é curioso aqui ressaltar é que se você imaginar que 50% do comércio brasileiro já é feito com a Ásia, e numa determinada projeção, se você tirar do mapa a China, que é o nosso principal cliente, o Japão, que é a segunda maior economia da Ásia, dada a análise aqueles países que geograficamente ficam na Ásia, mas que conformam uma região conhecida como Oriente Médio, aquilo que o Brasil exporta para esse restante da Ásia hoje já é superior em valor àquilo que o Brasil exporta para outros Estados Unidos, que individualmente é o segundo maior destino das exportações brasileiras.  Então, essa diversidade é importante e é uma das razões pelas quais, do ponto de vista do comércio exterior, o Brasil é menos afetado que outros países quando o assunto é a imposição das tarifas por parte do governo americano.

Agora, de maneira alguma, a gente deve deixar de lado a nossa ênfase em conquista de fatias maiores do mercado americano, que afinal de contas é o maior mercado importador do mundo. Eu vejo também oportunidades muito boas não apenas de exportação, mas também de formação de joint ventures com os europeus. Eu fui o negociador do acordo Mercosul-União Europeia em nome do Ministério da Economia do Brasil. E o que a história mostra é que, quando você tem um acordo desse tipo, um dos principais choques positivos é o do investimento transfronteiriço. Existe muito capital vindo para formar parcerias ou empresas no Brasil. De modo que isso será também, eu acho, um ativo importante nesse desafio brasileiro de neoindustrialização.

JC - Qual seria o papel do governo brasileiro na gestão das relações comerciais internacionais e no fortalecimento da indústria nacional diante de um cenário global incerto?

Marcos Troyjo - Três dimensões. A primeira, o Brasil durante muito tempo ficou como um país fechado, ensimesmado, com uma pequena participação do comércio exterior na composição orgânica do seu produto interno bruto. Historicamente, são raras as ocasiões em que o Brasil tem mais de 25% do seu PIB representado pelas somas de exportações e importações.

Então, negociar acesso ao mercado, negociar acordos de comércio e investimento, são fundamentais e no limite, como esses acordos se dão ao governo, o governo brasileiro tem um papel indispensável. Segunda dimensão, o governo brasileiro precisa facilitar a capacidade de competir da indústria brasileira. Hoje, eu entendo o que isso significa, sobretudo, diminuir a carga de impostos sobre a atividade empresarial.

Hoje, o Brasil tem uma carga tributária de 32% sobre o produto interno bruto. A média da carga tributária em relação ao PIB nos mercados emergentes é de 20%. Isso quer dizer que se essa fosse uma corrida de atletismo, o Brasil está na Raia 1 e tem que competir com a Índia, com a Singapura, com a Arábia Saudita, com a China, com o México. Nós estamos 12 quilos mais pesados do que os nossos competidores na média. Então, o governo brasileiro entender que o processo de reformas estruturais precisa continuar, de modo a diminuir o peso relativo do Estado. E, por seu turno, facilita a diminuição de impostos. É algo essencial para a competitividade da indústria brasileira.

E o terceiro ponto, eu acho que é uma tarefa fundamental da educação pública nos níveis mais básicos de ensino. Hoje, muitas das habilidades que vão ser fundamentais para o desenvolvimento industrial têm o seu primeiro multiplicador nas faixas da infância. É ali que vão se cultivar as primeiras habilidades no que se chama de STEM, que é a sigla em inglês S-P-E-M, para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, que tem sido um diferencial muito importante, por exemplo, na competitividade industrial, dos países asiáticos. De modo que essa atenção a uma educação básica que lhe permite o desenvolvimento de aptidões posteriores é fundamental também para a competitividade industrial.

JC - No atual cenário, quais os caminhos que os países emergentes do Grupo dos Brics podem adotar para fortalecimento de suas economias? A entrada de novos membros mais ajuda ou atrapalha nesse sentido?

Marcos Troyjo - Eu sempre entendi os BRICs como uma espécie de clube de elite ou uma primeira liga, uma série A das economias emergentes. Afinal de contas, os membros originais dos BRICs têm grande território, grande população, grandes economias internas, são grandes líderes regionais. No entanto, esses também são países muito diferentes. Alguns deles são democracias, outros não. Alguns deles são potências nucleares, outros não.

Alguns têm histórico recente de crescimento impressionante, outros não. Muitos adotaram estratégias de nação comerciante, ou seja, de exportações puxando o crescimento econômico, e outros não. Em tempos mais recentes, essa agremiação BRICs veio a incluir países de menor peso relativo na economia mundial, como é o caso da Etiópia, e passou a incluir também países pesadamente sancionados internacionalmente, como é o caso do Irã. E me parece, portanto, que aquela motivação inicial de entender os BRICs como o futuro da economia global, algo que foi dissipado.

A minha torcida é que os BRICs não se tornem uma espécie de aliança antiocidental e que, sobretudo, possam trabalhar conjuntamente em áreas onde existe um consenso de objetivos, como, por exemplo, aumentar o número de capitais disponíveis de longo prazo para o investimento em infraestrutura, em desenvolvimento sustentável, na construção de portos, ferrovias, centrais hidrelétricas, energia eólica ou energia fotovoltaica.

JC - Como o Nordeste, especialmente Pernambuco, pode aproveitar as mudanças recentes no mercado internacional, como a nova dinâmica das cadeias de suprimentos e o crescimento das economias emergentes, para fortalecer sua posição econômica e atrair novos investimentos?

Marcos Troyjo - O cenário mundial está abrindo uma oportunidade especial para a indústria do Nordeste por várias razões. Existem experiências recentes de formação de clusters competitivos em indústria têxtil, em indústria da moda, nas energias renováveis, na agroindústria, nas tecnologias de informação e também na operação portuária. Hoje vivemos um mundo em que se realiza uma reconfiguração das cadeias globais de valor. Os hubs industriais buscam alternativas, por exemplo, aquilo que anteriormente se realizava na China ou nos Estados Unidos. Vem por aí o acordo Mercosul-União Europeia, que vai também turbinar a indústria do turismo. E, além disso, a capacidade de criar diversificação para uma região que já é bastante atrativa do ponto de vista do clima, tem todo o potencial de inaugurar uma fase dourada para a indústria do Nordeste.