Franquias em transformação

NEGÓCIOS Na tentativa de evitar encolhimento, redes oferecem condições favoráveis para novos franqueados, com corte de taxas

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Publicado em 27/07/2020 às 6:00
YACY RIBEIRO/JC IMAGEM
OPORTUNIDADE Feira de franquias é chance para quem quer investir em um negócio já estruturado - FOTO: YACY RIBEIRO/JC IMAGEM
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Em momentos de desemprego alto como o atual, muitos demitidos ficam atraídos pela ideia de usar os recursos da rescisão de contrato para virar seu próprio patrão, ainda mais quando a batalha por uma nova vaga é inglória. Só que a pandemia também causou um estrago grande em pequenos negócios como as franquias, geralmente a porta de entrada do empreendedor de primeira viagem. Na tentativa de conter o encolhimento de suas redes, as principais marcas reagem com cortes de até 70% nas taxas e começam a transformar a crise em oportunidade para a entrada de novos franqueados, ainda que num momento arriscado para iniciar um negócio.

O segmento mais atraente é o de microfranquias, com investimento de até R$ 90 mil. A maioria permite que o empreendedor atue em casa, ambiente de trabalho para muita gente que já vêm enfrentando a crise com pequenos negócios familiares, sem franquias.

Abrir um estabelecimento com uma marca conhecida na porta e formatos já testados reduzem riscos, mas as taxas cobradas pelas franquias pelos pacotes com padrões, cadeia de suprimentos, marketing e direito de uso da marca limitam a entrada de muita gente. Mas a longa quarentena criou uma dissonância no setor: enquanto franqueados são expulsos pela crise melhoram as condições para quem entra.

Pesquisa feita pela consultoria Praxis Business estima que entre 10% e 15% das 161 mil unidades franqueadas no país não voltarão a operar este ano, mesmo com a reabertura das atividades econômicas nas cidades. Essa realidade obrigou as redes a abrir mão de ganhos para não encolher. Quase 48% das franqueadoras mantiveram ou ampliaram metas de expansão, segundo a pesquisa.

Para socorrer franqueados e atrair novos, as redes enxugaram custos, trocaram fornecedores e reduziram as taxas. "Algumas isentaram os franqueados do repasse das taxas, pois as lojas estavam fechadas e tinham faturamento zero. Se não tem faturamento na loja, não tem faturamento na rede", afirma Adir Ribeiro, presidente da Praxis Business.

Sem emprego formal, o motorista de aplicativo, Henrique Teixeira, de 29 anos, viu nos descontos a oportunidade de fechar contrato com a Mr.Fit, de comidas saudáveis, em que o franqueado vende marmitas fitness congeladas. O investimento do modelo micro, em home office, caiu de R$ 17 mil para R$ 6,2 mil, incluindo estoque inicial de refeições e material de divulgação. "Vi o potencial do mercado de comida fitness e do delivery, ainda mais neste momento de isolamento. Já trabalhei de carteira assinada, e não é o que quero mais. Prefiro focar em um negócio meu para crescer e prosperar", diz ele, que pretende continuar dirigindo até conseguir viver só da franquia.

Camila Miglhorini, presidente da Mr. Fit, diz que a rede fechou 93 contratos de microfranquias desde março, sendo que 20% dos novos franqueados optaram pela rede após ficarem desempregados.

A engenheira Juliana Andreoni, de 36 anos, fechou contrato com a Guia-se, uma rede de franquias de marketing digital, no final de junho. Com experiência em plataformas de petróleo, ela foi demitida em maio do posto de coordenadora de projetos em uma prestadora de serviços da Petrobras. Seu trabalho será bem diferente agora: captar clientes para prestar consultorias na criação de sites, desenvolvimento de lojas virtuais, links patrocinados e mídias sociais. "Não aguentava mais a instabilidade do mercado, estava esgotada. Aproveitei para investir em um negócio próprio com franquia, que dá mais segurança pelo suporte", diz.

Na pandemia, a Guia-se fechou mais de 30 novos contratos. O investimento inicial no modelo home office é de R$ 28,9 mil. Para atrair gente como Juliana, a rede intensificou a publicidade digital com lives sobre o mercado, diz o diretor executivo José Rubens Oliva.

As redes que não diminuíram o investimento inicial passaram a oferecer parcelamentos e novas condições. Os juros baixos e a possibilidade de uma boa negociação no desconto do aluguel de estabelecimentos também criam um cenário mais atrativo para novos empreendedores. "É histórico. Franquias tendem a crescer após crises. As pessoas perdem o emprego e buscam modelos já testados, com menos risco que um voo solo", diz Beto Filho, presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF) no Rio.

Em 2019, o setor de franquias faturou R$ 186,7 bilhões, alta de 6,8% em relação a 2018. Na tentativa de minimizar o estrago deste ano, a associação planeja uma feira virtual para setembro e uma física ainda este ano para unir franquias e novos franqueados. No levantamento da Praxis, 66% das redes esperam queda nas receitas este ano. Estudo da ABF nacional mostrou que, só em abril, o faturamento caiu 48,2%. Os segmentos mais afetados são turismo, entretenimento, alimentação, saúde, beleza e bem-estar.

Beto Filho acredita que o impacto da crise sobre as franquias será ainda maior após o fim do programa que permite suspensão de contratos de trabalho ou redução de jornada e de salário, em agosto. Mas isso deve favorecer mais descontos aos novos empreendedores.

Vice-presidente da ABF nacional, Antonio Moreira Leite avalia que a procura pelas franquias neste momento se dá tanto por quem perdeu o emprego quanto por quem busca melhores oportunidades de investimentos. Nesse sentido, vê as marcas mais preparadas para a nova realidade do consumo, com foco no e-commerce e delivery, em vantagem.

O aumento das vendas por delivery na quarentena fez o RapidãoApp, um aplicativo de delivery desenvolvido para pequenas e médias cidades, fechar 124 contratos de novas franquias de março até junho. Com investimento inicial baixo, a partir de R$ 16,7 mil, a empresa oferece ainda três meses de isenção de royalties e parcelamento da taxa de franquia em até 12 vezes no cartão.

Apesar dos atrativos, investir as economias num negócio em meio a uma crise sem precedentes tem alto risco. Luiz Barbieri, coordenador do MBA de Gestão de Processos do Ibmec RJ, observa ainda que o empreendedor precisa avaliar se vai se encaixar no sistema padronizado das marcas. "A vantagem da franquia é ser um investimento que já tem um retorno calculado. Isso minimiza os riscos. No entanto, se o candidato tem um perfil mais criativo ou já vem de uma experiência empreendedora, os padrões e regras impostos limitam."

Esse foi um dos motivos que fizeram Diogo Santos, de 37 anos, descartar franquias e investir no próprio delivery de doces. Formado em Relações Públicas, ele atuava há dois anos como gestor de uma unidade de uma universidade privada quando a pandemia esvaziou salas de aula. Ele foi dispensado e recorreu ao hobby da confeitaria para iniciar um negócio em casa. Começou as entregas em maio e já tem como renda mensal um terço do que ganhava na universidade. "Não adianta procurar emprego enquanto as coisas não voltarem ao normal, diz Santos.

Ele investiu R$ 3 mil em serviços de marketing e no registro da própria marca, a Doce Copa, para entregas de tortas na Zona Sul do Rio. "Não quis franquia porque as pessoas buscam produtos diferenciados, com essência, não um padrão. Já tinha noção de administração, tenho todos os custos em planilhas. Este mês, atingi 113% de lucro. Prefiro continuar pequeno e focar na qualidade."

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