Antônio Maria: um centenário de palavra, samba e paixão
Nascido em 17 de março de 1921, recifense fez história na canção popular brasileira com suas crônicas e declarações de amor

"Com mais de 120 quilos de fúria e ternura, Maria só viveu 43 anos, mas deixou uma rica história de música, boemia, amores e amizades, que se confunde com a própria história da música brasileira nos anos 1940 e 1950, na era de ouro do samba-canção", diz o jornalista, produtor musical e compositor Nelson Motta, nos minutos que abrem sua coluna sobre música veiculada em fevereiro de 2016, no Jornal da Globo. O referido, claro, é o compositor, poeta, cronista e radialista esportivo Antônio Maria Araújo de Morais, recifense que, se vivo, chegaria hoje ao centenário.
Antônio Maria trabalhou muito e desde cedo. Aos 17 anos, em 1938, já estava às voltas pelos bastidores da Rádio Clube de Pernambuco. No entanto, foi ao se mudar para o Rio de Janeiro, dois anos mais tarde, que enveredou de vez pelo radialismo, como locutor de esportes. Viveu o ponto alto da juventude no coração da vida noturna carioca, envolveu-se com muitas paixões — diz-se que era excelente galanteador, por dominar muito bem as palavras — e versou sobre essas experiências em letras de fazer inveja a muitas das sofrências contemporâneas.
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"Ninguém me ama/ Ninguém me quer/ Ninguém me chama/ De meu amor/ A vida passa/ E eu sem ninguém/ E quem me abraça/ Não me quer bem", escreveu para a inconfundível Ninguém Me Ama, de 1952, junto a Fernando Lobo, amigo por longas datas. A canção ganhou o País na voz de Nora Ney, que cantou também Menino Grande, outra de sua autoria.
Para a paixão pela Cidade Maravilhosa, debruçou-se em um "Rio de Janeiro, gosto de você", presente em Valsa de uma Cidade.
Mas não só em sambas forjou-se o Antônio Maria compositor. E também não apenas para eles a exímia escrita dolorosa foi dedicada. Três dos frevos mais rasgados de amor ao Recife saíram da cabeça do recifense distante: são seus os Frevo n° 1 do Recife, Frevo n° 2 do Recife e o derradeiro Frevo n° 3 do Recife ("Sou do Recife/ Com orgulho e com saudade/ Sou do Recife/ Com vontade de chorar").
Também escreveu para jornais e trabalhou na televisão, com destaque para o convite de assumir, em 1951, o posto de diretor de programação da TV Tupi, lançada havia pouco.
EM RESGATE
A breve, porém frutífera, vida artística e social de Antônio Maria tem sido recuperada e eternizada nos últimos anos. Na edição mais recente de Um Homem Chamado Maria (2005), Joaquim Ferreira dos Santos reuniu em 180 páginas relatos sobre as andanças do biografado entre a elite intelectual do Rio de Janeiro — e do mundo: num apanhado de fotos, o pernambucano, que era amigo íntimo de Vinicius de Moraes, aparece ao lado de Edith Piaf e Carmen Miranda. Lá também estão detalhes da vida com a jornalista Danuza Leão, com quem foi casado por quatro anos.
Antônio Maria é figura-chave também no A Noite do Meu Bem (2015), livro de Ruy Castro sobre as boates da capital fluminense, a nata financeira e cultural que as frequentava e, consequentemente, a explosão do samba-canção, entre as décadas de 40 e 60.
Em fevereiro, a Fundação Joaquim Nabuco homenageou Antônio Maria em seu Carnaval de Todos os Tons, com menção à Manhã de Carnaval, composta com Luiz Bonfá e presente na trilha do filme Orfeu Negro (1959), de Marcel Camus.
Antônio Maria morreu em 15 de outubro de 1964, no Rio de Janeiro, por complicações dos problemas cardíacos que o acompanhavam desde a infância. Teve trajetória interrompida, mas bem vivida.