Centenário de Piazzolla, o revolucionário
Músico e compositor argentino Astor Piazzolla, responsável por transformar e modernizar o tango, completaria cem anos hoje, se estivesse vivo

Há cem anos nasceu em Mar del Plata, Argentina, Astor Piazzolla. Seria, décadas depois, responsável por uma revolução no tango argentino, e tornaria-se um dos maiores músicos do século 20. Foi ele mesmo um divisor de águas, ao transformar um gênero musical que estava longe de experimentações num laboratório de novas possibilidades instrumentais, quando no tango passou a improvisar; como no jazz.
Piazzolla passou a infância e adolescência em Nova York, com a família, que retornou a Buenos Aires em 1937. Adolescente, conviveu com o blues e as big bands na NYC dos anos 1930. Já no retorno à capital argentina, mergulhou fundo no universo do tango portenho.
Dois anos após sua volta, atuou na orquestra de Anibal Troillo, para o qual fez arranjos e com quem tocou, em 1952, no Copacabana Palace, no Rio. Neste mesmo ano, sua Sinfonietta para Orquestra de Câmara Opus 19 foi escolhida pela crítica argentina como melhor obra erudita. E graças a outro prêmio, ganhou uma bolsa de estudos do governo francês.
Na capital parisiense, ele estudou com Nadia Boulanger, renomada compositora francesa de música erudita, que, após ouvir a Sinfonietta, disparou: "É música bem escrita, mas falta-lhe sentimento". Conta-se até que, por isso, ele ficara deprimido por alguns dias. Nadia, adiante, perguntou qual música ele tocava na Argentina — "A contragosto, admitiu que era tango", escreveu Maria Suysana Azzi, coautora com Simon Collier, do livro Le Grand Tango — The Life and Music of Astor Piazzolla, lançado em 2000, sem tradução no Brasil. "Mas eu adoro tango. E em que instrumento você toca tango? Imagino que não seja o piano", teria respondido a professora, sabendo que, sim, deveria ser o bandoneon. Pois ao piano mesmo, no oitavo compasso, ela o interrompeu: "Isto é Piazzolla!".
Sobre a sua experiência com Nadia Boulanger, Astor Piazzolla disse em entrevistas posteriores: "Foi como estudar com minha mãe" e "Ela me ajudou a me encontrar comigo mesmo".
De volta a Buenos Aires, tendo se encontrado com o tango, Piazzolla travou, a partir de 1955, com seu Octeto Buenos Aires, uma guerra com os tradicionalistas do gênero musical — da qual saiu vitorioso.
Ainda estudou com o compositor Alberto Ginastera e compôs música erudita. Aventurou-se, com sucesso, na ópera-tango Maria de Buenos Aires, no entanto, foram os temas populares — sem abrir mão da qualidade, diga-se — que o imortalizaram; tais como Adiós, Nonino, Libertango (uma música manifesto do "nuevo tango") e Balada para un Loco, composta sobre versos de Horacio Ferrer e cantada por Amelita Baltar, com quem foi casado.
Ainda citando seus êxitos, o quarteto de canções Cuatro Estaciones Porteñas já foi gravado dezenas de vezes. Assim como Historia del Tango, de 1986, que recebeu variadíssimas versões.
Em 1990, antes de sofrer um AVC que o levaria à morte cerca de dois anos depois, no dia 4 de julho de 1992, Astor "previu" o futuro de sua música: "Tenho esperança de que minha obra será ouvida em 2020. E no ano 3000 também. Às vezes tenho certeza disso, porque a música que faço é diferente... Terei um lugar na História, como Gardel... Minha música pode agradar ou não, mas ninguém pode negar que ela é boa: é bem orquestrada, é nova, é deste século, e tem o perfume do tango, que é o que a torna atraente no mundo inteiro".
DOCUMENTÁRIO
Piazzolla tinha muito material inédito que não havia sido publicado ou exibido. Situação inescusável para um dos maiores compositores da segunda metade do século 20. Ano passado, quase 30 anos depois de sua morte, os arquivos pessoais do artista foram liberados por seu filho Daniel Piazzolla para a elaboração de Piazzolla — Os Anos do Tubarão, premiado documentário dirigido por Daniel Rosenfeld, que mescla apresentações do bandeonista, depoimentos inéditos, filmes e áudios caseiros. Está disponível no catálogo da HBO no Brasil.