
Insuficiência respiratória teria sido a causa da morte da cantora Vanusa, 73 anos, anunciada neste domingo. Ela faleceu durante a madrugada na casa de repouso onde vivia em Santos, litoral paulista. Vanusa, eu sofria de depressão crônica, já estava num avançado estágio do mal de Alzheimer.
Vanusa foi a primeira grande vítima de uma celebridade na Internet no Brasil, alvo da falta de informação e da insensibilidade de internautas. Em 2009, convidada para cantar o Hino Nacional, na Assembleia Legislativa de São Paulo, sob efeito de remédios, segundo ela para labirintite, Vanusa, desafinou e errou a letra do começo ao fim. A cena viralizou na web, ela se tornou piada no país inteiro, e foi acometida de uma crise de depressão que a levou a ser internada numa clinica.
Nesses onze anos que a separam do massacre constrangedor, ela lutou para se recuperar, voltou a gravar sem sucesso, mas os shows foram rareando, e acabou tendo o fim de carreira de muitas estrelas da música, do cinema ou teatro no Brasil. As cortinas se fecharam para ela sem aplausos da plateia, embora tivesse um grande número de fãs que a acompanhavam desde 1967, quando foi contratada pela TV Excelsior cantando Pra Nunca Mais Chorar, que Carlos Imperial e Eduardo Araújo fizeram em cima de We Take Our Last Walk Tonight, hit grupo americano Sir Douglas Quintet. Detalhe: a música virou sucesso com Vanusa sem nem ter sido ainda gravada.
Mineira de Cruzeiro, nascida em 1947, Vanusa Santos Flores foi descoberta cantando em Belo Horizonte. Veio para o Rio e teve ascensão meteórica. Participou do programa Adoráveis Trapalhões (o embrião de Os Trapalhões), dividiu um programa de TV com Wanderley Cardoso, que ficou pouco tempo no ar, Bonzinhos... até certo ponto. Os dois formaram um “casal” da forma como os fãs gostavam. Em 1968, oito mil jovens aguardavam os dois no Aeroporto dos Guararapes, quando vieram cantar no programa Bossa 2 de José Maria Marques, na TV Jornal do Commercio, com direito à benção de Dom Hélder Câmara.
Com carreira bem dirigida por Eduardo Araújo, ela subiu rápido para o primeiro time da jovem guarda. Foi a loura sexy do iê-iê-iê, que vestia ousados vestidos de grife, e procurava falar de temas sérios. Estava com 20 anos quando estourou nas paradas com Pra Nunca Mais Chorar que passou mais de seis meses entre as mais tocadas do rádio brasileiro. Vanusa, que só estreou em LP em 1968, cantava um repertório não fazia a linha namorinho de portão do iê-iê-iê. Uma das faixas do disco chama-se Negro (dela e David Miranda), um soul, das primeiras canções na MPB com temática racial, os versos iniciais: “Negro não lamente nunca mais/negro na terra todos são iguais”.
Ela foi responsável pelos milhares de Vanusa existentes no país (durante o anos 70, também um dos nomes preferidos para os transformistas que cantavam nas casas noturnas). E até um jogador de futebol, Toninho Vanusa, que ficou conhecido no Palmeiras, e jogou também pelo Náutico. Carismática, de boa voz, e com atitude, Vanusa sobreviveu ao fim da jovem guarda, sem o estigma, como boa parte deles, da categorização de cafona, depois chamado de brega. Ela e Wanderléa foram as duas únicas cantoras do movimento que deram a volta por cima, atualizando o repertório condizente com o novo panorama da música brasileira, e se impondo num universo que esnobava o iê-iê-iê.
No segundo álbum em 1969, já se distanciara da jovem guarda, gravou nomes como Luiz Wagner, uma adaptação de Hey Joe (domínio público, hit de Jimi Hendrix). Seu grande sucesso nesta segunda fase foi Manhãs de Setembro, de 1973 (parceria sua com Mario Campanha). Na época estava casada com Antonio Marcos, mulherengo e boêmio em tempo integral. Enquanto viveram juntos faziam a festa dos colunistas de fofocas. Entre trancos e barrancos Vanusa teve duas filhas com Antonio Marcos, Amanda e Aretha, e um filho, Rafael, com o produtor Augusto Cesar Vanucci, com quem viveu também um casamento conturbado, mas durante o qual era presença constante nos programas (e até atuando em novela), da TV Globo da qual Vanucci era diretor. Curiosamente, ela morreu no dia em Antonio Marcos, falecido em 1992, completaria 75 anos.
MÚSICA
Sua discografia dos anos 70 é de ótima qualidade (foi relançada em duas caixinhas pelo selo carioca Discobertas). No álbum de 1977, Vanusa 30 anos, por exemplo, ela lançou Avohai, de Zé Ramalho, que sairia do anonimato apadrinhado pela cantora (ele toca viola nesta gravação). Lançou também Paralelas, de Belchior, e m1975. A carreira de Vanusa teve um curso regular até 1994, quando lançou Hino ao Amor um disco de regravações. Só voltaria a lançar outro álbum em 2015, Vanusa Santos Flores, pela Saravá Discos, de Zeca Baleiro. Nos anos 2000, agravaram-se as crises de depressão, poucos anos depois, começaria a sentir os sintomas do Alzheimer. Em setembro, ela foi internada no Complexo Hospital dos Estivadores em Santos, extremamente debilitada, com relatos desencontrados dos filhos. Um fim melancólico para uma cantora de talento subestimado, que nunca se situou confortavelmente em nenhum nicho da música brasileira.

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