
O saxofonista Mauro Senise lançou nessa sexta-feira, dia 16, o álbum Ilusão à Toa, Mauro Senise Toca Johnny Alf (com selo da Biscoito Fino). Um dos inovadores da música brasileira, Johnny Alf morreu há dez anos, num asilo geriátrico em Santo André, na Grande São Paulo. Estava com 80 anos. Muitos o consideram o precursor, e até mesmo o inventor, da bossa nova, pelas harmonias ousadas e avançadas para o início dos anos 50, época em que o samba-canção e o bolero pontificavam como preferências nacionais. Na realidade, se a bossa tem um pai, é João Gilberto, foi sua maneira de cantar e tocar que revolucionou o samba. Tudo o que João gravava virava bossa nova.
No entanto, Johnny Alf foi indubitavelmente influência marcante na geração que forneceria canções para João Gilberto. Jovens, em sua maioria, de classe média afluente, brancos, moradores da Zona Sul carioca. Johnny Alf tinha uma história completamente diferente. Alfredo José da Silva nasceu em 1929, no Rio. O pai morreu na revolução constitucionalista de 1932 (era cabo do Exército). A mãe foi empregada doméstica. A patroa de sua mãe gostou da esperteza do garoto, tinha piano em casa, e contratou uma professora para ensiná-lo, quando ela estava com nove anos. Ele passaria no difícil teste de admissão ao Colégio Pedro II, um dos melhores do país, e cursou inglês no IBEU (Instituto Brasil-Estados Unidos), onde uma amiga americana o chamava de “Johnny Alf”, que se tornou seu nome artístico.
Mulato, homossexual, pobre, nos Brasil dos anos 50, Johnny Alf venceu pelo talento. Sua contratação pela seleta Boate Plaza, em Copacabana, levou muito músico iniciante a frequentá-la por causa do pianista diferente, autor de composições que modernizaram a música popular. Johnny Alf ficaria na Plaza até 1954, quando se mudou para São Paulo, de onde só voltaria sete anos mais tarde com a bossa nova tornada a música da moda. Alf não pareceu muito entusiasmado pela BN, tanto que não topou o convite para o concerto dos bossa-novistas no Carnegie Hall, em 1962. Em 1965, ele se mudaria definitivamente para São Paulo, onde viveria até o final da vida. Morreu aos 80 anos, num asilo para ídolos, em Santo André (SP).
“Em 1973, eu ainda bem inexperiente, fui tocar com o grande intérprete Lucio Alves na boate Le Bateau, em Copacabana. Também se apresentava na mesma noite o grande compositor, pianista e cantor Johnny Alf. Foram alguns meses destas apresentações duplas. Tocando com Lucio estava o hoje produtor e arranjador Ruy Quaresma ao violão e Tony Botelho ao contrabaixo. Com o Johnny tocava o meu querido amigo/irmão, o saxofonista e flautista Raul Mascarenhas. Confesso que não me recordo de quem estava à bateria e ao contrabaixo… Foram noites de grande aprendizado pra mim. E de imensa admiração pelas composições e harmonias complexas do Johnny. Hoje me sinto muito confortável tocando estas preciosidades concebidas por este gênio.”, diz Mauro Senise, então com 23 anos, e já um destaque no sax (clarinete e outros instrumentos, afins). Ilusão à Toa foi gravado em 2019, seria lançado em março de 2020, exatamente quando irrompeu a pandemia.
REPERTÓRIO
Rapaz de Bem, O Que É Amar, Tema Sem Palavras, Ilusão À Toa, vêm do primeiro LP de Johnny Alf, Rapaz de Bem (1961). Do segundo, Diagonal (1964), Senise escolheu Seu Chopin, Desculpe, Céu e Mar, Disa, Podem Falar, Nós, Plenilúnio, de Nós (1974), Sonhos e Fantasia e Olhos Negros, vem do álbum Olhos Negros (1991), por fim Eu e A Brisa, maior sucesso de Johnny Alf, foi lançada originalmente em compacto (disputou o III Festival da Música Popular Brasileira, na TV Record), por fim, Melodia Sentimental é do disco Cult Alf – 40 anos de Bossa Nova (1998.
Impensável um disco de Mauro Senise, sem o piano de Gilson Peranzzetta, que comparece em três faixas. Além delecraques feitos Mingo Araújo, (percussão), Jaime Alem (violão), Cristóvão Bastos (piano), Zeca Assumpção (contrabaixo), Raul Mascarenhas (sax, uma participação especialíssima, já que ele mora há anos na França), estes e outros não menos importantes, mas um trio básico ao longo do disco, Adriano Souza (piano), Bruno Aguilar (baixo) e Ricardo Costa (bateria). Senise e este pessoal sublinham as melodias de Johnny Alf, que foi influenciado pelo jazz, e pelos autores clássicos da canção americana, Cole Porter, os irmãos Gershwin. Um dos melhores momentos do disco é o diálogo de saxes entre Mauro Senise e Raul Mascarenhas, que tocava com Johnny Alf, quando Senise o conheceu. Resta saber qual a próxima empreitada de Mauro Senise que já revisitou Noel Rosa, Tom Jobim, Edu Lobo, Dolores Duran, Gilberto Gil.

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