
“É verdade que você vai fazer, no Rio, um show intitulado Quem Tem Medo de Elis Regina? A pergunta foi dirigida à cantora Claudia, por Elis Regina, no programa O Fino da Bossa, da TV Record. Pega de surpresa, Claudia, esclareceu: “Em principio realmente se pensou neste título para o meu show, mas, refletindo melhor, achamos que não era justo lançar mão do nome de uma artista conhecida feito você. O show na verdade chama-se Claudia: Não se Aprende na Escola, produzido pela dupla Miéle e Bôscoli, com estreia no dia 15, no Rui Bar Bossa”.
Não se sabe o que Bôscoli tinha em mente quando bolou este nome para o show da novata Claudia, numa clara confrontação à Elis Regina. Apimentou a polêmica, uma nota plantada na Intervalo, revista de larga circulação. Com o título de “Cláudia não teme de Elis”, dizia a nota: “A cantora Cláudia está ensaiando no Rio, um espetáculo musical do qual será a principal intérprete. Chama-se Quem tem medo de Elis Regina? E é uma sátira à famosa peça de Edward Albee (Quem tem medo de Virginia Wolf?). Claudia fará uma imitação de Elis, com as luzes do teatro apagada e, no fim, será iluminada por um refletor, dizendo: Eu sou Cláudia, e não tenho medo. Elis Regina já foi convidada para a estreia”.
Passados 54 anos, a cantora, que agora se chama Claudya, comenta o episódio no livro O que não me canso de lembrar, que abre a série A Música de, idealizada pelo mineiro Daniel Saraiva e o paulista Ricardo Santiago. “A ideia da coleção é trazer trajetórias de artistas que nunca foram contadas em livros Já que geralmente os livros sobre música brasileira contemplam por vezes os mesmos artistas”, explica Saraiva. Claudya é sucinta no seu depoimento. Vai direto ao que interessa. detalha, por exemplo, o momento em que foi questionada por Elis diante das câmeras e da plateia de O Fino da Bossa:
“Tentei explicar, mas fui vaiada durante cinco minutos, que pareciam intermináveis. Não sei de onde tirei forças para conseguir cantar o que veio a seguir. As vaias continuaram no dia seguinte, dessa vez na imprensa, que me pintou como vilã para todo o Brasil e sugeriu que eu, como uma espécie de imitadora ou oportunista, queria tomar o espaço de Elis”. Entre os muitos boatos que circularam, espalhou-se um em que Claudia empurrava Elis no fosso do teatro onde era realizado O Fino da Bossa. A própria Elis desmentiu.
A cantora viu-se obrigada a rescindir contrato com a TV Record, canal de maior audiência na época, e que concentrava a nata da música brasileira, num tempo em que os programas de maior Ibope eram os musicais. Foi para a TV Excelsior, convidada para o Ensaio Geral, comandado pelo cantor e compositor Sidney Miller, abrigava o grupo baiano, Gal, Gil, Caetano e Bethânia. Curioso, é que Ronaldo Bôscoli, pouco tempo depois, assumiu o comando do programa de Elis, com quem casaria meses depois.
Maria das Graça Rallo, nome de batismo de Claudya, é carioca, da classe de 1948. Aos dez anos a família foi morar em Juiz de Fora (MG). Suas primeiras apresentações nas rádios da cidade foi dançando frevo, mas o que queria mesmo era ser cantora. Aos 15 anos, foi para São Paulo, que se tornara o centro da música popular. Tentou o programa de calouros de Silvio Santos mas foi buzinada. Voltou a São Paulo dois anos depois, e teve melhor sorte. Fez um teste na Record, e entrou para o elenco de O Fino da Bossa, então apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues.
Mesmo com o incidente com Elis Regina, Cláudia tinha boa circulação entre os colegas. Seu LP de estreia, de 1967, traz um repertório bem azeitado, é dele, inclusive a música que deu nome ao seu primeiro show, Não se aprende na escola, de Haroldo Barbosa. Mas os espaços continuavam se fechando para ela. Cláudia aceitou um convite para cantar no Japão, onde passou seis meses, e gravou dois compactos e um LP. Fez inclusive o comercial do primeiro Corolla.
Na volta, o clima continuava nublado para ela. Montou, no Rio, o show Qual é o Tom, Mr. Jobim? “Passei três meses no Teatro de Bolso cantando para praticamente ninguém, sofrendo as retaliações por conta do episódio envolvendo Elis. O público ainda se lembrava daquele episódio e me via como aproveitadora”, conta Claudya no livro. Ela quis antecipar o fim da temporada as, mas o dono do teatro a obrigou a cumprir o contrato mesmo com a casa vazia.
FESTIVAIS
Claudya relembra que acabou se tornando uma campeã de festivais. Mesmo quando a música que defendia não era a vencedora, ela ganhava o troféu de Melhor Intérprete. Foi assim no Brasil, no México, na Grécia. No II Festival de la Cancion Latina, no México, defendendo Canção de Amor em paz, de Alésio Barros e Eduardo Lages (que virou o maestro de Roberto Carlos), foi premiada como intérprete, e a canção levou todos os demais prêmios, disputando com 25 países.
Claudya teve mais um bom momento no início dos anos 70, quando gravou pela Odeon uma trinca de discos bem sucedidos comercialmente, e de crítica sobretudo o primeiro, puxado por Jesus Cristo (Roberto e Erasmo Carlos), Você, Cláudia, Você (1972), e Deixa eu dizer (1973), o que parecia uma volta à normalidade, no entanto, foi o fim de mais um ciclo. O diretor musical da gravadora (cujo nome não cita), foi curto e grosso: “Claudia fique à vontade se você quiser assinar com outra gravadora. A partir de agora nós vamos trabalhar uma nova cantora, infelizmente, não vamos mais trabalhar seu disco”. A nova cantora chamava-se Clara Nunes: “Clara virou praticamente a única cantora do cast da Odeon. Não sei de onde partiu essa instrução, e qual foi o motivo, mas foi o que aconteceu. Ela deslanchou e todas nós fomos cortadas”, revela Claudya, Mais uma vez uma cantora interpunha-se entre ela e o sucesso. Mais uma vez, Claudya foi para o exterior. Desta vez para os Estados Unidos, se encontrar com Henry Mancini, com quem manteve um namoro.
Os dois criadores da série A música de, na apresentação do livro, citam Ortega y Gasset de “Eu sou eu e minha circunstância. Se não salvo a ela não salvo a mim”. A carreira de Claudya no início lembra muito a de Maria Bethânia. Claudya, adolescente do interior substituiu Nara Leão num musical badalado, Liberdade, Liberdade, de Millor Fernandes. Estava na TV Record, e veio o problema com Elis. Depois de Clara Nunes, ela teria mais uma chance nos anos 80, interpretado, de 1980 a 85, Eva Perón, no bem acolhido musical Evita.
Claudya continuou gravando, mas sem grande repercussão, sobretudo nos anos 2000, quando a mudança nos gostos musicais foram radicais. Curiosamente, a geração mais jovem tomou conhecimento dela pelo rapper D2, que sampleou uma música do repertório de Claudya (Deixa eu dizer, de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza). Aos 73 anos, Claudya finalmente conta sua história, e continua nos palcos, independente das circunstâncias, que mudaram o roteiro de sua vida tantas vezes.
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