Disco

Alexandre Góis e Joaquim Pessoa numa estreia que surpreende

Desassossego é o álbum que a dupla recifense lançou, com participações de Mônica Salmaso, Amaro Freitas, Flaira Ferro e grande elenco

José Teles
Cadastrado por
José Teles
Publicado em 13/09/2020 às 12:54
Max Levay/Divulgação
Alexandre e Joaquim, dupla diferente - FOTO: Max Levay/Divulgação

O disco chegou como um objeto não identificado. O selo da Biscoito Fino denota qualidade, dentro da linha da MPB filha da bossa nova, que preza pela harmonia e letras de conteúdo aparentado à poesia. O título: Desassossego, da dupla Alexandre Gois e Joaquim Pessoa. Poderiam até serem intérpretes portugueses, a exemplo, de António Azambujo, explorando um estilo de música brasileira pela qual os da terra cada vez menos se interessam ou fazem. Quase um Fado para o Recife, uma das faixas, aponta para essa possibilidade.
Na ficha técnica, a surpresa. Alexandre e Joaquim são recifenses, o disco foi gravado e produzido na capital pernambucana e tem participações especiais de alguns nomes do novo canto da cidade. Um amigo da dupla mandou a gravação para a Biscoito Fino, que se interessou em lançar o disco. Mas por onde andava a dupla? “Aqui mesmo no Recife”, confirma Alexandre Gois. Ele e Joaquim Pessoa são músicos há bastante tempo. Joaquim fez conservatório, Alexandre fez parte do curso. Conhecem-se desde a adolescência. Comungando entre si de afinidades musicais e literárias, passaram a compor juntos movidos apenas pela vontade de fazer música. Tocaram em barzinhos, participaram de bandas. “Mas sem protagonismo”, ressalta Alexandre.
As composições foram se acumulando, até que um amigo em comum, Carlos Borges, do Estúdio Carranca, os instigou a gravar: “Ele ficou impressionando com as canções que mostramos e pressionou para que a gente fizesse um disco”, conta Alexandre Gois, que forma uma junção peculiar com Joaquim Pessoa: “Algumas pessoas perguntam por que é que somos dupla já que Joaquim não canta. Somos porque não temos compromissos com nada. Somos dois amigos que se gostam, começamos a compor há uns quatro cinco anos, temos muita coisa. A gente é isso aqui mesmo, uma dupla que é resultado de nossa obsessão e teimosia”, esclarece Gois.
Dá para entender o motivo de Borges, produtor musical do álbum, ter se impressionado com as músicas de Alexandre e Joaquim. As melodias e harmonias têm uma segurança de autor consagrado da MPB, e as letras fazem jus às citadas qualidades. Monica Salmaso, uma das grandes vozes da música brasileira, participa na faixa Os Rios Dessa Canção. Os dois chegaram à cantora paulista por intermédio de Carlos Borges. Ela aceitou o convite para gravá-la, mas com uma exigência, que fossem feitas modificações na harmonia: “Quando ela ouviu a música, achou linda. Teve uma coisa engraçada, Mônica achou uma parte da melodia difícil de cantar, pediu pra dar uma mudada. Contou pra gente que tinha acontecido coisa parecida quando gravou uma música de Chico Buarque. Pediu também que ele fizesse uma mudança. Ora, se Chico mudou, quem éramos nós para não mudar?”
Pelas participações de tantos pernambucanos no disco — Isadora Melo, Flaíra Ferro, Amaro Freitas e Almério — seria de se pensar que Góis e Pessoa integram o numeroso contingente do coletivo Reverbo. No entanto, os dois são os únicos integrantes de seu próprio movimento. “A gente começou a gravar antes que o Reverbo tivesse toda essa divulgação, quando estava começando. Algumas pessoas do grupo eram conhecidas, feito Amaro. Já fizemos um trabalho com o pai de Isadora. Já Zé Manoel, Joaquim gravou num disco dele”, comenta Alexandre Gois.
Houve também a ousadia de convidar vozes que lhes pareciam ideais para determinadas canções, como aconteceu em Os Prazeres, com duração de oito minutos, três partes, e apelo erótico. Alexandre convidou Almério e Flaira Ferro: “O disco foi quase todo gravado ao vivo no estúdio, teve música com um só take. Os Prazeres foi gravada assim. O clima da gravação foi um orgasmo, todo mundo junto. Foi tão intenso que depois, eu, Almério, Flaira e Joaquim fomos pro Bar Central e ficamos lá até umas quatro da manhã”. Tocam com eles alguns dos melhores músicos disponíveis em Pernambuco, a exemplo de Henrique Albino Quarteto Encore, Gilu Amaral, Rogério Samico, Júlio César, Caca Barreto, Ricardinho Fraga, Bráulio Araújo e Fabinho Costa. Acrescentem-se a esses os pianos de Zé Manoel e Amaro Freitas.
Alexandre Gois e Joaquim Pessoa chegaram a realizar apresentações pouco antes da eclosão da pandemia. Agora esperam que as nuvens se dissipem para divulgar o disco. A Biscoito Fino pretende lançar Desassossego com uma live em outubro. Os dois estão inquietos. Não por acaso, o título do álbum vem do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa.
INQUIETAÇÃO
Desassossego arrebata o ouvinte na faixa inicial, Cais, uma canção lenta, meio valsinha, com uma melodia evocativa, que se apoia na voz de Alexandre Gois, com acompanhamento do violão de Joaquim Pessoa e o piano de Zé Manoel. Uma canção daquelas que se prestam a regravações. O repertório impressiona pelo amadurecimento dos autores. São composições de quem tem certeza do caminho que a canção vai percorrer. Em Os Rios Desta Canção, Mônica Salmaso ratifica ser uma intérprete que imerge na música como se fosse sua última interpretação. Um disco de canções sem um gênero definido, nada de regionalismo, nem samba, nem toada, quase todas se aproximam da modinha, de melodias e letras tocantes. Os Prazeres, difere por ser um rock meio blues. Uma estreia que realmente impressiona

Comentários

Últimas notícias