
Moacyr Franco se apresentava, em 2012, no já tradicional Festival da Seresta, no Bairro do Recife. Quando terminou o show o público pedia mais uma música. Ele não estava entendendo. Perguntou ao radialista Geraldo Freire o que queriam. “Querem que você cante Turbilhão”. “Turbilhão? Mas por que?”, surpreendeu-se, e lhe foi esclarecido. A marcha-rancho Turbilhão (Victor Simon e David Raw) tornou-se uma das músicas mais cantadas no Carnaval pernambucano. Continua sendo. foi incorporada ao repertório dos blocos líricos, entrou para o repertório dos frevos de bloco. Se ele a cantasse no Galo da Madrugada com certeza seria ovacionado:
“Nunca cantei no Galo da Madrugada, mas toparia, viria voando cantar em qualquer bloco que me convidasse. Eu acho maravilhoso ver os blocos nas ruas, os músicos tocando, sei que é cansativo, mas é bonito demais, é muito mais Brasil do que qualquer outra manifestação que conheço. Mas Turbilhão foi uma coisa espontânea. Estava no estúdio para gravar outra música, aproveitei e gravei Turbilhão para homenagear um amigo, Victor Simon, autor de, muitos sucessos da música brasileira. Acabou ficando com um arranjo muito bonito, o pessoal de Pernambuco comprou a ideia, e consagrou a música. Fico muito contente em vê-la entre as mais importantes do carnaval de vocês”, comenta Moacyr Franco em entrevista por telefone.
Ele se apresenta nesta sexta, no Teatro RioMar, no Shopping RioMar, no Pina. Sobre o show, ele avisa ao público que não espere novidades: “Se eu inventar alguma coisa, o pessoal fica bravo. Sou obrigado a cantar aquelas dez, quinze canções que querem escutar. Músicas antigas, muito boas, não dá pra variar não. No mais, a gente vai conversar muito, abraçar muito. Quer dizer, muito pouco, por causa do vírus, mas se depender de mim, eu vou espalhar vírus, porque gosto de beijar e abraçar”, diz Moacyr, fazendo blague com a endemia do Corona Vírus. O humorista que há nele faz-se sempre presente.
Foi com humor que chegou ao sucesso, no final dos anos 50. Participava do humorístico Praça da Alegria, na TV Rio, então apresentado por Manoel da Nóbrega (pai do atual apresentador do A Praça É Nossa, Carlos Alberto). Seu personagem era o de um mendigo, cujo bordão “Me dá um dinheiro aí”, tornou-se tão popular, que acabou inspirando uma marchinha carnavalesca, Me Dá Um Dinheiro Aí (de Ivan Ferreira/Homero Ferreira/Glauco Ferreira), a mais cantada no país no Carnaval de 1960, na voz de Moacyr Franco:
“Tive sorte. Era um artista amador, seis meses depois estava na capa da revista, O Cruzeiro, recebendo o presidente americano, sendo jurado no Copacabana Palace, cantando no Baile do Municipal, que era o máximo no Rio de Janeiro”. Quando terminou o sucesso da marchinha, considerei que estava terminado na música. Não é que acabo me vendo nas paradas de novo? Ganhei uns 40 discos de ouro, não era assim que se chamava ainda. Minha vida sempre foi pra bem, menos pra ganhar dinheiro. Nunca dei certo com dinheiro, no resto não posso me queixar de nada”.
Mineiro de Ituiutaba, inteirando 84 anos em outubro, Moacyr Franco, teve bastante habilidade de conciliar o humor para o romantismo. Voltou às paradas, em 1962, com uma versão da balada Tender is the Night ( (Paul Francis Webster e Sammy Fain, versão de Nazareno de Brito), e em seguida com Ninguém Chora por Mim (Evaldo Gouveia/Jair Amorim). Tornou-se um dos artistas mais populares do Brasil nos anos 60. Passageiro frequenta da ponte aérea, Rio/São Paulo. Mas ainda reservava tempo para se apresentar constantemente na TV Jornal do Commercio:
“ Recife era um ponto estratégico da música brasileira, e da televisão. Primeiro que a televisão jornal do Commercio era muito importante. Segundo, pela música que se fazia aí era muito boa. Tenho um vídeo do maestro Spok, muito bom, sobre os tipos de frevo e a gente via na rua, no boteco. Tinha uma orquestra espetacular do maestro Nelson Ferreira, tive chance de ser amigo dele, me lembro dele de smoking regendo a orquestra. Além do ótimo ambiente musical, não tinha violência, toda calçada tinha um cantor, todo boteco tinha um cantor. Além de frequentar os teatros, frequentei a vida do Recife”, elogia Moacyr.
GUTO
Em meados dos anos 60, ele formou uma dupla com o filho Paulo Augusto Franco , Guto Franco, ou simplesmente Guto, como era conhecido ao se tornar o primeiro astro infantil da TV brasileira. Em 1966, a revista Intervalo, especialista em TV, dava a nota: “O prestígio de Guto está ofuscando o do pai, Moacyr Franco que, há poucos dias teve de cancelar uma excursão porque o filho não poderia comparecer e o empresário lhe disse que sem o garoto não fosse porque não adiantava”. Guto cresceu e aparentemente sumiu. Na verdade, foi ator, por pouco tempo, passou a roteirista, e diretor de TV e cinema:
“Boa lembrança. Guto resolveu ficar nos bastidores. É grande autor, grande ator, ficou consagrado como diretor de televisão. Está fazendo uma série em Portugal, fez um longa em Israel. Estou torcendo pra que volte aqui, porque quero repetir com ele uma série que fizemos, Eu Conto a História, está no Youtube. São histórias que escrevi, e Guto adaptou pra vídeo e dirigiu. Ele ainda vai fazer muito mais coisas”.
GARRINCHA
Com 60 anos anos de carreira, Moacyr Franco tem muitas histórias para contar. Sua vida pessoal é mesclada de altos e baixos, de período de muita fartura, e de vacas extremamente magras. Apenas com as histórias de suas canções. poderia preencher um livro volumoso, ou criar vários vídeos. Uma destas é Balada nº 7 (Alberto Luiz), subintitulada “Mané Garrincha”: “Sua ilusão entra em campo no estádio vazio/uma torcida de de sonhos aplaude talvez/ o velho atleta recorda as jogadas felizes/mata a saudade no peito/driblando a emoção”, a estrofe inicial. A canção é faixa do álbum Nosso Primeiro Amor (1970, Copacabana), o grande hit do LP. Muita gente imaginou que a música não teria feito bem à Garrincha, então com 37 anos, e cuja carreira caminhava para o fim. Moacyr Franco garante que aconteceu exatamente o contrário, Mané adorou a música:
“Nós chegamos a fazer aparições juntos, Mauro Lúcio, diretor da Globo, com Balada nº7 fez o primeiro clipe de música no Brasil, e sem querer. Fomos gravar com o Garrincha no Maracanã vazio. Eu cantando esta música, Garrincha brincando com a bola, andando solitário pelo estádio. Acabou que por falta de material suficiente, fomos gravando trecho a trecho. Mario Lúcio não teve outra alternativa, começou a picotar no ritmo da música, as imagens que a gente tinha gravado. Ele diz que foi o primeiro clipe do Brasil. Quanto ao Garrincha, fui amigo dele até muito depois. Quando ele veio pra São Paulo, jogar num time chamado Milionários, que se reunia no Teatro Bandeirantes, nos víamos muitos, foi meu amigo até o fim, muito menos tempo do que eu queria. Ele e Elza fizeram uma homenagem a mim, no estádio Serra Dourada, em Goiânia, que me matou de emoção. O alto falante tocou a música, e eles entraram no gramado, foi de arrasar, até hoje treme meu coração”.
Mais recentemente, ele suscitou polêmica com o rock Tudo Vira Bosta, gravada por Rita Lee. Moacyr, aliás, no início da carreira flertou com o rock and roll, como quase todos os cantores de sua geração: “Foi em um momento de desesperança, há muito tempo. A gente que é mais antigo, lamenta muito as coisas que foram acontecendo no país. Uma coisa é a mudança de geração pra geração, costumes e tal, mas ladrão, assassinatos, morrerem 70 mil pessoas, é um costume só brasileiro, difícil de encarar. Aquilo ali é um dos retratos que pintei sobre a política no Brasil e a direção da sociedade. Recentemente fiz uma chamada Republica Federativa do Bandido, também está na Internet, mas é uma critica passageira, só pra não dizer que não falei nada”.
Trabalhando numa mini-série da TV Globo, depois de décadas fora da emissora, Moacyr Franco continua viajando muito. Tem um público cativo, que lota suas apresentações. Canta para estes fãs exatamente o que eles querem ouvir, mas não tem preconceito com as novas formas musicais: “Não tive o menor problema de me adaptar aos tempos. Sou saudosista, mas não burro, sei que o mundo é esse, esta geração é esta aqui. Daqui a pouco virá outra que vai desmentir, ou acrescentar tudo o que esta aqui pensa. Costumo dizer que quero ser antigo mas não velho. Postei outro dia uma frase que disse a uma moça, que insinuou que eu era velho. Respondi a ela: eu sou jovem há muito mais tempo que você”.
Comentários