Coquetel Molotov Negócios evidencia o potencial da cena alternativa paraibana em João Pessoa
Debates, oficinas e shows ocuparam o centro histórico da capital paraibana, conectando nomes da cena local com agentes nacionais da música

É possível afirmar que a cidade de João Pessoa (PB) vem passando por alguns "momentos de virada" - seja por uma atenção, ainda inicial, ao resgate de seu centro histórico, ou pela cena musical que vem se formando, apesar das muitas dificuldades enfrentadas por uma capital do Nordeste.
No último fim de semana, o evento Coquetel Molotov Negócios, nascido no Recife e já realizado em diversos estados, ocupou espaços na área onde a capital paraibana nasceu para discutir essas potencialidades emergentes, com perspectivas locais e nacionais.
Painéis, debates e oficinas aconteceram em locais como o antigo Hotel Globo, o IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) e o Na Garagem Discos, todos no bairro do Varadouro. No mesmo bairro, o espaço Vila do Porto serviu de ponto de encontro (com "pitchings") para que diversos artistas mostrassem seus trabalhos a diretores de festivais, de casas de shows, representantes de selos e jornalistas.
Movimento no Centro histórico


Na abertura, a "Caminhada Jampa Negra" mostrou a riqueza histórica do Centro pela perspectiva do povo negro e indígena - algo ainda muito pouco falado dentro e fora da Paraíba. Foram contemplados espaços como Centro Cultural São Francisco, Praça Barão do Rio Branco, Igreja da Misericórdia e Praça Pedro Américo.
O Largo de São Frei Pedro Gonçalves, um dos mais icônicos da cidade, recebeu shows que foram do tradicional ao contemporâneo: Vó Mera representou a tradição, enquanto a rapper trans Bixarte simbolizou as revelações que têm rompido barreiras.
Também passaram pelo palco as experimentações de Elon, o som empoderado de Merliah, as misturas do projeto instrumental Jazz & Beats Orquestra e o elogiado trabalho de Vieira.



"O Coquetel Molotov Negócios em João Pessoa superou todas as nossas expectativas. Ficou evidente a importância de realizar esse tipo de iniciativa na cidade – e mais ainda, que ela precisa acontecer de forma contínua. João Pessoa está, agora mais do que nunca, no radar de curadores de várias partes do país. Foi muito potente reunir diferentes cenas e promover um espaço de diálogo real, com acesso direto a agentes culturais de todo o Brasil", diz Ana Garcia, diretora do festival.
"Encerramos ainda com uma importante reunião com o secretário estadual de Cultura, Pedro Santos, firmando uma parceria para garantir que festivais como o nosso estejam presentes no edital de circulação. Saímos daqui com a certeza de que essa é apenas a primeira de muitas colaborações", completa.
Música independente
O painel "Horizontes para a Música Independente" trouxe o cenário desafiador enfrentado por artistas, com participação do rapper e empresário Fioti, da cantora A Fúria Negra, de Sandra Belê, de Seu Pereira (do grupo Seu Pereira e Coletivo 401) e mediação de Fany Miranda, CEO da Casa Empreendedora Hub.
"Vivemos a dificuldade da xenofobia estrutural, ao mesmo tempo em que ainda existe um conservadorismo musical que não abre tantas portas para artistas alternativos, que fujam de uma visão mais estereotipada do que é a Paraíba", diz A Fúria Negra, que também participou do pitching, ao JC.


A cantora, backing vocal de Bixarte e com sonoridade próxima ao R&B, prepara-se para lançar seu primeiro EP solo no fim do ano. "Temos aliados como a internet e as plataformas digitais, que ajudaram a furar a bolha. Durante o evento, comentei com Bione (rapper pernambucana) que as pessoas do Recife ou de São Paulo consomem mais essa nova cena daqui. Então, acredito que a internet ajude a driblar esse comodismo", diz a artista.
"O Coquetel Molotov Negócios foi como um respiro, mesmo. Estavam todos felizes porque trouxe um pulsar novo para música independente de João Pessoa, colocando em evidência muitas pessoas que estavam à margem”, acrescentou.
Casas de shows e festivais fomentando cenas


Outro painel discutiu o papel de festivais e casas de show no fortalecimento de cenas culturais, com presenças como Alexandre Rossi (programador do Circo Voador, do Rio de Janeiro) e Gerson Dias (diretor do Psica, de Belém do Pará).
Em João Pessoa, por exemplo, floresceram espaços no Centro, como o Caravela Cultural, representado por Xyco Vasconcelos, e o Loca Como Tu Madre, fundado por Giovanna Maia — ambos localizados na Rua General Osório, conhecida como "Rua Nova".
"Havia uma necessidade enorme de a cidade incorporar um local para ouvir uma música, estar com os amigos ou simplesmente estar só, de forma individual. E foi aí que surgiu a oportunidade com o espaço onde hoje acontece o nosso samba: um conjunto de casas da década de 1950, que pouca gente valorizava para esse tipo de uso. O samba ganhou uma dimensão muito grande na cidade, chamou atenção. Aos poucos, fomos restaurando aquele perímetro", disse Giovanna Maia.
Futuro de João Pessoa
Ramon Suarez, responsável pelo Vila do Porto - que recebe shows no Centro desde 2012 e foi palco dos pitchings do festival - acredita que João Pessoa está caminhando para consolidar uma cultura independente mais autônoma.
"Os artistas têm produzido bastante conteúdo que está indo para frente. Existe uma cena de rock e rap bem estabelecidas, ocorrendo em vários pontos da cidade. O reggae também está voltando devagar", afirmou ele, que participou do painel "Qual o Futuro que Estamos Construindo para João Pessoa?".
Suarez também criou o Festival Alumiô, após a pandemia, com o objetivo de fomentar artistas independentes. "O Centro Histórico ainda é marginalizado pelo próprio turismo. É um trabalho que envolve diversas secretarias e conscientização da sociedade."
Vale destacar ainda os "talks" com Cátia de França, lenda da música paraibana, e Eliane Dias, empresária da Boogie Naipe (responsável por Racionais MC's de outros destaques do rap) - ambos mediados por Lenne Ferreira.
Ao ocupar espaços históricos e promover debates sobre o futuro da cena local, o Coquetel Molotov Negócios evidenciou a importância da articulação, apontou caminhos e ressaltou os desafios para que a cultura independente se consolide na capital paraibana.
* O repórter viajou à convite do evento