HISTÓRIA | Notícia

Mapa inédito do Recife no século 17 revela detalhes do cerco aos holandeses

Desenho atribuído ao português João Teixeira Albernaz II foi adquirido em 2023 pelo Instituto Flávia Abubakir e está sendo estudado por historiadores

Por Emannuel Bento Publicado em 27/05/2025 às 15:30 | Atualizado em 27/05/2025 às 15:54

Um mapa do Recife produzido em meados do século 17 foi adquirido pelo Instituto Flávia Abubakir, na Bahia, e vem sendo estudado pelos historiadores Bruno Ferreira Miranda e Pablo Iglesias Magalhães.

Datado aproximadamente de 1654, o desenho apresenta o único registro conhecido do cerco luso-brasileiro para expulsar os holandeses da região, com descrições minuciosas do episódio histórico.

Sem assinatura, o mapa foi comprado na França em 2023. Na margem inferior, traz o título "Demonstração da Cidade de Santo Antônio de Pernambuco e vila do Arrecife no Brasil", correspondentes aos atuais bairros de Santo Antônio e do Recife.

Investigação
Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Detalhes do desenho "Demonstração da Cidade de Santo Antônio de Pernambuco e vila do Arrecife no Brasil", de João Teixeira Albernaz II, de 1654 - Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Detalhes do desenho "Demonstração da Cidade de Santo Antônio de Pernambuco e vila do Arrecife no Brasil", de João Teixeira Albernaz II, de 1654 - Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Detalhes do desenho "Demonstração da Cidade de Santo Antônio de Pernambuco e vila do Arrecife no Brasil", de João Teixeira Albernaz II, de 1654 - Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Detalhes do desenho "Demonstração da Cidade de Santo Antônio de Pernambuco e vila do Arrecife no Brasil", de João Teixeira Albernaz II, de 1654 - Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Detalhes do desenho "Demonstração da Cidade de Santo Antônio de Pernambuco e vila do Arrecife no Brasil", de João Teixeira Albernaz II, de 1654 - Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Detalhes do desenho "Demonstração da Cidade de Santo Antônio de Pernambuco e vila do Arrecife no Brasil", de João Teixeira Albernaz II, de 1654 - Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.
Detalhes do desenho "Demonstração da Cidade de Santo Antônio de Pernambuco e vila do Arrecife no Brasil", de João Teixeira Albernaz II, de 1654 - Acervo da Coleção Flávia e Frank Abubakir, Instituto Flávia Abubakir. Salvador, Bahia, Brasil.

Em busca da autoria, os pesquisadores consultaram arquivos no Brasil, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra e Portugal. Após extensa análise, atribuíram a obra ao cartógrafo português João Teixeira Albernaz II (s/d – c. 1699).

A descoberta surpreendeu também estudiosos portugueses, já que o desenho não consta na coleção "Portugaliae Monumenta Cartographica" (1960), o mais abrangente levantamento cartográfico realizado em Portugal.

Os holandeses ocuparam Pernambuco de 1630 a 1654, até serem derrotados após um longo cerco por terra e mar. O desenho provavelmente foi produzido logo após essa vitória portuguesa.

Evidências

Entre os indícios que embasaram a atribuição da autoria estão a caligrafia compatível e a semelhança na representação de acidentes geográficos artificiais, comuns em outros mapas assinados por Albernaz II.

Também foram considerados o período de atuação do cartógrafo, o fabricante do papel e o conhecimento demonstrado sobre o Brasil e a guerra luso-holandesa, expresso em cartas da época.

“As famílias de cartógrafos muitas vezes não visitavam os locais que representavam; criavam os mapas com base em informações recolhidas. Não sabemos se Albernaz II esteve no Brasil, embora um membro de sua família tenha passado por aqui e pela África, reunindo dados e pedindo autorizações para elaborar mapas”, explica Bruno Ferreira.

BIBLIOTECA NACIONAL/DIVULGAÇÃO
João Teixeira Albernaz II também retratou Pernambuco no conhecido 'Atlas do Brasil', de 1666 - BIBLIOTECA NACIONAL/DIVULGAÇÃO

“Esses cartógrafos atuavam com licença régia. Produzir mapas era um trabalho sensível para o Estado português, que exigia muito controle e sigilo sobre as informações”, completa.

Registro único

Segundo Pablo Iglesias Magalhães, o desenho traz a única representação conhecida da Armada da Companhia de Comércio de Portugal, que participou da retomada da região. Ao todo, aparecem 16 galeões no mapa — parte de uma frota de 64 embarcações.

"Talvez seja a primeira obra de Albernaz II de que se tem notícia. Os registros holandeses desse período vão até 1648, com o último assinado por Cornelis Golijath. Depois disso, há um vazio", afirma.

Imagem da cidade

O mapa também traz uma série de elementos da cidade do Recife naquele período, embora com algumas distorções - como o Palácio de Maurício de Nassau representado mais ao sul da Ilha de Antônio Vaz, quando na verdade ficava ao norte.

"É possível identificar a igreja do Corpo Santo e a antiga sede do governo holandês, situada na área portuária, próxima à igreja. O autor também desenhou fortificações como o Forte do Brum, Amélia, Altena e Milhou - esses três últimos já não existem", detalha Magalhães.

Um forte com formato de "três pontas" aparece no desenho e, provavelmente, foi confundido com o Forte das Cinco Pontas - um erro que também aparece em outros mapas da família Albernaz, inclusive em obras do avô do cartógrafo, o que reforça o vínculo autoral.

Para Bruno Ferreira, outros documentos cartográficos inéditos ainda podem estar escondidos em acervos públicos ou coleções privadas. "Sempre haverá algo novo a ser descoberto e estudado. Por sorte, esse documento sobreviveu. Poderia ter permanecido oculto para sempre", conclui.

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