MÚSICA | Notícia

‘Frevo é um ritmo que se atualiza com o povo’, diz Flaira Ferro, que lança o álbum ‘Afeto Radical’

'Culturas populares são dinâmicas e devem refletir as necessidades do seu povo e da sua época', diz artista, que colabora com Lenine e Elba Ramalho

Por Emannuel Bento Publicado em 27/03/2025 às 17:44 | Atualizado em 28/03/2025 às 10:43

A cantora, compositora e dançarina recifense Flaira Ferro dá continuidade a um trabalho musical que equilibra ritmos populares nordestinos com rock, pop e música eletrônica em "Afeto Radical", seu quarto álbum de estúdio, lançado nesta sexta-feira (28/03).

Com parcerias de medalhões como Lenine na faixa-título ou Elba Ramalho em "Os Ânimos", Flaira segue traçando alternativas para uma música pernambucana com ligação direta com as tradições (como frevo, cavalo-marinho, caboclinho e maracatu rural), mas sem se render completamente ao saudosismo em uma outra época de fruição da música.

"Não tem como existir outra Elba ou outro Alceu. Eles já estabeleceram suas assinaturas. É uma ilusão que venham novos artistas para reproduzir o que eles fazem", diz Flaira, ao JC, ao ser questionada sobre a renovação musical em ciclos festivos, como o Carnaval.

"O que existe é uma continuidade, a partir do legado que eles vão deixando para as gerações atuais. Isso para mim é muito claro. O frevo, em especial, é um ritmo que se atualiza com o seu povo. As culturas populares são dinâmicas, vivas, e devem refletir as necessidades do seu povo e da sua época", opina a artista.

'Afeto Radical'

A ideia para a faixa-título, que também guia o conceito do álbum, veio com a experiência de maternidade da artista, mais especificamente no puerpério - readaptação do corpo após o parto.

O período a levou a refletir sobre os desafios do mundo contemporâneo. "Comecei a ouvir educadores parentais e cheguei na recifense Lua Barros, que falava sobre uma forma de educação que optasse pelo afeto radical, ao invés de ir por caminhos de violências e opressões", explica Flaira.

MATHEUS MELO/DIVULGAÇÃO
Imagem da cantora Flaira Ferro, que lançou o disco 'Afeto Radical' - MATHEUS MELO/DIVULGAÇÃO

A etimologia da palavra 'radical' está relacionada à 'raiz' no latim. "O radical também pode estar em um local de vínculo, de retorno às raízes, considerando que o disco foi criado a partir de referências que trago, das coisas que me formaram enquanto compositora e artista de matriz popular", diz a cantora.

"São coisas importantes para o meu crescimento, meu desenvolvimento, no sentido radical de estar com esse olhar voltado para as origens".

Construção coletiva

Gravado entre Recife e São Paulo, o álbum tem produção musical de Guilherme Kastrup e conta com 11 faixas inéditas. Também existe parceria com a violeira Laís de Assis em "Sabe" e arranjos de cordas de Dora Morelenbaum, da banda Bala Desejo. Vanessa Moreno contribui com backing vocals na faixa "Irrelevar".

Nas composições, existem parcerias com Juliano Holanda (Goiana), Isabelly Moreira (São José do Egito), PC Silva (Serra Talhada), Isabela Moraes (Caruaru) e Lucas Dan (Santa Rita-PB).

MATHEUS MELO/DIVULGAÇÃO
Imagem da cantora Flaira Ferro, que lançou o disco 'Afeto Radical' - MATHEUS MELO/DIVULGAÇÃO

"Neste disco, o processo de composição dos arranjos foi ocorrendo de forma muito coletiva, a partir de uma imersão. Lucas Dan, que é paraibano, tem uma relação muito forte com forró, xaxado, baião, mas também é super antenado em punk, rock e música experimental. O Guilherme Kastrup também faz essa ponte nos trabalhos dele", exemplifica Flaira.

"Tivemos um time de músicos que já trazia essas pesquisas por sonoridades que não necessariamente fossem definidas pelo território, mas pelas sensações da mistura. Isso ajudou a chegar em um resultado estético em que muitas pessoas colocaram suas referências. Antes o processo era muito apenas de um produtor; agora, foram cinco cabeças construindo arranjos e elementos."

'Criamos espaços o tempo todo'

Integrante de uma geração musical autoral em ascensão, Flaira acredita que os espaços de fomento e divulgação para artistas independentes ainda são escassos no Estado. "É preciso de uma política cultural que não esteja apenas vinculada aos ciclos festivos, mas construída ao longo do ano todo", diz.

"Encontramos caminhos de fazer shows, criando parcerias, ocupando bares e casas menores - espaços que ainda abrem possibilidade. São projetos coletivos para estarmos envolvidos, com comprometimento de repasses para que tenhamos um pouco mais de valorização. Mas ainda é muito pouco", critica.

"As políticas culturais precisam assegurar uma vida saudável para o artista ao longo do ano. Precisamos continuar criando espaços o tempo todo, se não ficarmos à mercê dos editais, que são incertos em relação à aprovação, ou à mercê das curadorias dos grandes festivais. É difícil encontrar espaços de pequeno e médio porte", continua.

Falando em editais, esse foi o primeiro projeto de Flaira Ferro a contar com apoio de uma lei de incentivo - o FUNCULTURA, do Governo do Estado, na fase de pós-produção.

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