'Pernambuco não pode perder a sua identidade carnavalesca', diz Alceu Valença. Confira entrevista
Cantor traz o Bloco Bicho Maluco Beleza pela primeira vez ao Recife neste domingo (23), com desfile em trio elétrico na Rua da Aurora

Alceu Valença traz o seu Bloco Bicho Maluco Beleza pela primeira vez ao Recife neste domingo (23), com desfile em trio elétrico na Rua da Aurora, a partir das 15h. Apesar da estreia na capital, o bloco nasceu na sua cidade-irmã, Olinda, há 33 anos.
Alceu cantava do alto da sua casa no Carmo, no Sítio Histórico, e em seguida desfilava pelas ladeiras, com um bloco que tinha estandarte criado pelo artista plástico Bajado, "usando tintas e cores do imaginário", como diz a composição da música.
A faixa homônima, lançada em 1992 no disco "Sete Desejos", nasceu com uma roupagem mais suave, marcada pelo toque das cordas, mas se transformou no hino vibrante que arrasta foliões até hoje - e ganhou dueto com Ivete Sangalo em 2024. Atualmente, o bloco é representado pelo Urso Maluco Beleza, saindo da Casa Estação da Luz.
No Recife, a estreia do trio na Aurora promete ser grandiosa, reunindo Elba Ramalho – homenageada do Carnaval do Recife em 2025 –, além de Martins, Juba e Madu. Antes da saída do bloco, o público poderá acompanhar cortejos de grandes nomes da cultura popular, como a Nação do Maracatu Encanto do Pina, os Abanadores do Arruda (também homenageados neste ano) e a Tribo Indígena Carijós.
Em entrevista ao JC, o artista comentou sobre a história do bloco, sua relação com o Carnaval, as mudanças da folia em Pernambuco e no Brasil, frisando: "Pernambuco tem que ser Pernambuco. O tradicional não significa ser antigo; é o que vem da tradição".
Entrevista - Alceu Valença
Apesar de agitar o Carnaval de São Paulo desde 2015, o Bloco Bicho Maluco Beleza foi criado em 1992, em Olinda. Como ele nasceu?
Nasceu quando eu estava na minha casa em Olinda, na Rua de São Bento. Quando olho para baixo, vejo um rapaz fantasiado de Raul Seixas, com duas gatinhas ao lado. O nome dele era Antônio da Sé, e neste momento tinha passado o Urso Cascudo do Amparo. Naquele momento me veio a inspiração e compus na hora a música 'Bicho Maluco Beleza'. Só depois que a gente começou a fazer saidinhas. O porta-estandarte era Sérgio CriCri Bezerra, vestido de Urso. Eu saía no bloco, mas depois não dava mais para sair na rua. Comecei a fazer apenas show no Carnaval, levando a cultura pernambucana para outros cantos.
Até quando você brincou carnaval em blocos?
Faz muito tempo. Acho que até o final da década de 1990. Depois, veio a história da internet, do celular, da foto, e não dá mais para sair na rua. Vão ter cem pessoas para fazer selfie e assim não dá para brincar carnaval. Fico cantando, que é outra coisa que gosto. Mamãe dizia que a minha missão é alegrar o povo.
Nos últimos 10 anos, o Carnaval tem crescido no Sudeste, como em Belo Horizonte e São Paulo. Inclusive, algumas dessas cidades já pregam terem 'o maior carnaval do Brasil'. Como você enxerga isso?
Existe tamanho de Carnaval em relação a público e em relação à cultura carnavalesca. Um Carnaval que não tem tradição pode criar blocos de rock, pagode, Jovem Guarda, sertanejo. Isso é muito bom para a economia criativa, então realmente as cidades vão lucrar muito nessa parte. Dá para fazer Carnaval até em Nova York, mas aí não vai interessar muito a cultura e sim o número de pessoas que irão. Já em termos de tradição, Pernambuco tem uma coisa que não pode perder, que é a identidade carnavalesca. A Bahia também tem o Carnaval deles, da maneira deles, com o axé. Pernambuco tem que ser Pernambuco. O tradicional não significa ser antigo; é o que vem da tradição.
Como preservar essa identidade carnavalesca mesmo com as festas tornando-se mais comerciais?
Eu já dei uma ideia há 500 anos. Você pode fazer um mês inteiro de festejos. O que tem a ver com o Carnaval será realizado no Carnaval, enquanto os outros ritmos podem ficar distribuídos ao longo do mês. Se ficarmos muito parecidos com essas outras cidades muito grandes, podemos perder.
Você acha que o Carnaval de Pernambuco vem mudando?
Há muito tempo que mudou, que colocam nos palcos pessoas que não tem nada a ver com Carnaval. Não estou dizendo que os artistas não são bons. Estou dizendo que o gênero que eles cantam não coadunam com a festa. Você acha que Pernambuco poderia chamar um cantor da Jamaica para cantar reggae? Ou os Rolling Stone?
Também existe uma discussão de alguns anos sobre o crescimento do número de camarotes. Você acha que eles afastam o povo da festa ou fazem parte de mudanças naturais?
Acho que pode até agregar, a depender da programação que irá fazer. Porém, quando o evento é privado, pode colocar quem quiser, até Madonna, mesmo ela não tem nada a ver com Carnaval, apesar de ser uma artista do caralho.
O que acha da presença de ritmos como brega e brega-funk no Carnaval de Pernambuco?
Eu não tenho nada contra. Agora, a pergunta é a seguinte: você acha que vão colocar forró na Sapucaí, no Rio de Janeiro? Então, o que dá para fazer é pegar esses outros tipos de manifestações culturais e realizá-los uma semana antes do Carnaval. Pode ser um festival, sei lá, de rock, de brega, de sertanejo. Dentro do Carnaval, eu não vejo muito, mas não tenho nada contra. Quem quiser dizer que tenho algo contra, que diga. Não sou gestor público.
Alguma tradição popular do Carnaval de Pernambuco corre o risco de se perder?
Nenhuma. O maracatu está aí, os caboclinhos estão aí, os blocos de frevo estão na rua. Existem novas pessoas que estão surgindo, como o Martins e a Madu, que estarão no bloco Bicho Maluco Beleza no Recife, que também estão profundamente mergulhados nesse tipo de manifestação.
Nos últimos anos temos visto uma competição sobre o título de 'melhor carnaval' na internet...
Acho isso uma grande bobagem. O Carnaval da Bahia é o da Bahia, o de Pernambuco é o de Pernambuco, o do Rio de Janeiro é o do Rio de Janeiro, já o de São Paulo vai criar uma multiculturalidade porque ele não tem tradição. O diferencial dele é ter bloco de rock, de frevo, de forró, de pagode, de reggae, e pronto.