ENTREVISTA | Notícia

'Depois que saí do Recife, recebi poucos convites para voltar', diz Zé Manoel

Natural de Petrolina e indicado ao Grammy Latino, cantor e pianista traz nova turnê ao Recife: 'Cidade que me deu régua e compasso'

Por Emannuel Bento Publicado em 06/02/2025 às 17:10

Natural de Petrolina e indicado ao Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira (2021), o cantor, pianista e compositor Zé Manoel tem despontado como um dos principais nomes da MPB.

Com o seu novo álbum, "Coral", ele tem dá continuidade à sua trajetória de inovação e resgate da música afro-indígena e nordestina. O trabalho será apresentado em show no Teatro do Parque, nesta sexta-feira (7), com participação especial de Isadora Melo.

Será uma oportunidade para ver um artista que, apesar de pernambucano, pouco tem sido convidado para programações públicas do Estado.

"Dá uma certa tristeza, porque Recife e Pernambuco são lugares que receberam meu trabalho de braços abertos. Foi aqui que tudo começou a repercutir, que minha música ganhou forma", confessou, ao JC.

No novo disco, ele aprofunda sua pesquisa sonora e amplia suas conexões com artistas como Gabriela Riley, Luedji Luna, Alessandra Leão, Liniker e Rafaela Acioli, além de contar com a produção de Bruno Moraes.

"Coral" transita entre a MPB, referências da música negra norte-americana e influências afro-indígenas, abordando temas como ancestralidade, identidade e espiritualidade. Confira a entrevista completa.

Entrevista - Zé Manoel, músico

O que "Coral" traz de novo para a sua discografia?
Esse disco segue a narrativa do anterior. Sempre trago algum elemento do álbum anterior para o seguinte, abrindo para novas possibilidades. As questões da negritude e das influências afro-indígenas estão presentes neste trabalho, conectando-se à sonoridade da música preta norte-americana e aos arranjos, que já são vertentes que posso explorar nos meus próximos projetos.

Os seus álbuns sempre tentam comunicar e refletir momentos da sua vida. Que momento seria esse que você vive em "Coral"?
Acho que “Coral” reflete mais o momento que eu gostaria de estar vivendo do que o momento em que eu realmente estava. É um disco pós-pandemia, e minha expectativa era que ele fosse mais solar, mais alegre, digamos assim. O disco anterior era mais introspectivo. Eu já sabia que meu próximo trabalho deveria ser mais luminoso. Inicialmente, uma música chamada “Golden” daria nome ao disco, mas mudamos, até por ser um título em inglês. Embora haja momentos de introspecção, como na faixa Floral, no geral, é um álbum mais aberto, mais vibrante.

WENDEL ASSIS/DIVULGAÇÃO
Cantor, pianista e compositor Zé Manoel em ensaio para o álbum 'Coral' - WENDEL ASSIS/DIVULGAÇÃO

"Do Meu Coração Nu" teve uma ótima repercussão, incluindo indicação no Grammy. Como a sua carreira mudou após ele?
Esse disco abriu muitas portas. Na minha carreira, as coisas acontecem aos poucos, e cada trabalho vai ampliando novas possibilidades e alcançando novos públicos. Sem dúvida, esse álbum teve a maior repercussão até agora. Teve música em novela, em série, e ainda há novas produções solicitando canções dele. É um disco muito importante, não apenas pelos temas que aborda, mas também pela produção, feita por Luisão Pereira. Infelizmente, ele faleceu no ano retrasado, mas tivemos a oportunidade de realizar um trabalho muito minucioso juntos. Foi a junção de vários fatores que levaram a essa grande repercussão. Além disso, por ter sido lançado em um momento de pandemia, as pessoas tinham mais tempo para se dedicar à escuta com mais atenção.

Apesar do sucesso do disco anterior, o seu nome não é tão presente nas programações públicas de Pernambuco. Acha que o sucesso tem refletido no Estado?
Foi bom você tocar nesse assunto, porque quase ninguém fala sobre isso. Depois que saí de Recife – muito mais por questões de trabalho, já que aqui consigo atuar melhor –, recebi poucos convites para voltar. Estive recentemente no Porto Musical para uma participação e já estive no Festival de Inverno de Garanhuns para uma apresentação com Mateus Aleluia e Virgínia Rodrigues, e basicamente foi isso. As vezes em que retornei para cá foram por iniciativa minha e da minha equipe. Voltei com Amaro Freitas porque escolhemos a Caixa Cultural Recife para a apresentação, mas, de fato, não tenho sido convidado. Sempre que venho é por decisão própria ou por sugestão minha. Dá uma certa tristeza, porque Recife e Pernambuco são lugares que receberam meu trabalho de braços abertos. Foi aqui que tudo começou a repercutir, que minha música ganhou forma. Recife me deu régua e compasso, e o que eu mais queria era voltar mais vezes para tocar.

WENDEL ASSIS/DIVULGAÇÃO
Cantor, pianista e compositor Zé Manoel em ensaio para o álbum 'Coral' - WENDEL ASSIS/DIVULGAÇÃO

Você fez show com o Amaro Freiras, que recentemente fez uma interessante pesquisa com o álbum “Y’Y”. A presença de nomes como o guitarrista queniano Kato Change também partem de pesquisas suas?
Na verdade, eu já conhecia o Kato. Ele é do Benim e trabalha há muito tempo com a Luedji Luna. A gente se conheceu quando fui indicado ao Grammy, e eu já tinha vontade de trabalhar com ele. A guitarra dele tem uma sonoridade característica de algumas regiões da África e encaixou muito bem. Até mesmo na música Menina Preta de Cocar, há elementos da música africana. Trazê-los para a instrumentação reforça essa narrativa e também faz parte de um processo de pesquisa para as canções.

A faixa "Canção de Amor Para Johnny Alf" é uma homenagem a um dos grandes nomes da bossa nova. Apesar de sua importância, ele foi um tanto apagado da historiografia do ritmo. A música também busca dar visibilidade a isso?
Isso, sem dúvida. Eu queria trazer o nome dele porque acredito naquela máxima: o que não é visto, não é lembrado. Não é à toa que há esse apagamento da população preta, indígena, das mulheres e do público LGBTQIA+. Esse silenciamento é uma forma de manter as coisas como estão. No geral, todos os ambientes ainda são muito moldados para pessoas brancas, heterossexuais e homens. Trazer esse nome é também uma maneira de provocar essa estrutura, mas de forma amorosa. É lembrar de Johnny Alf, de Alaíde Costa – que está viva, contrariando as estatísticas. Infelizmente, Johnny não teve a oportunidade de ver pequenas mudanças acontecendo, porque ainda falta muito. Essa oportunidade de estar vivo é algo muito importante. Por isso, faço questão de trazer esse nome mais de uma vez, de forma proposital.

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