Fábula dos pescadores do Brasil

O BARCO Longa de Petrus Cariry leva à tela da Fundaj narrativa poética construída a partir da figura do pescador no imaginário nacional

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 13/11/2020 às 2:00
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CENÁRIOS.O território é uma praia isolada, arrodeada por imensidões físicas, familiares e sensoriais - FOTO: DIVULGAÇÃO
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De uma excelente safra cearense, que presenteia o cinema brasileiro já há alguns anos, vem mais uma das estreias desta semana do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco. Petrus Cariry, um dos principais nomes deste grande momento do cinema produzido no Ceará, lança O Barco, um resgate da mítica presença do pescador no imaginário (e no cinema) brasileiro em uma espécie de fábula poética que busca o encanto do mistério e do desconhecido em um território que parece querer abraçá-lo sem medo. Trata-se de uma busca que não tem o sentido como princípio superior de seus caminhos, mas sim a contemplação intensa a cada um dos elementos que levam a ele.

O território é uma praia isolada, cercada pela imensidão de falésias, do mar e do céu. Por lá estão os pescadores, em especial A, filho de Esmerina e irmão de outros homens que receberam uma letra do alfabeto cada como nome. Já os mistérios vêm do mar: um barco desgastado e Ana, uma mulher enigmática que traz consigo histórias teatralizadas. Essas duas chegadas despertam fascínio no pescador por desejos que surgem, como a exploração do mar, o de conhecer novas narrativas e um deslumbramento por elementos dos relatos, sejam as próprias palavras ou a forma como ganham vida pela voz e corpo de Ana.

Cariry imerge essas conjunturas em um terreno de muito apelo plástico. O recôndito distante daquela praia ganha uma atmosfera que é realista, mas também estilizada por sombras de candeeiros, céus de belas cores e um mar também majestoso, todos captados por planos fixos e longos. É um tratamento do espaço que abre margem para seus propósitos narrativos que carregam a atmosfera com um certo apelo ao fantástico, que emana do mistério. Ele consegue ao mesmo tempo captar uma essência aprisionadora daquele lugar, enquanto também carrega em si possibilidades de libertação.

E nesse terreno, o encanto pelo desconhecido encontra um solo muito bonito para crescer. Cariry, que assume também a direção de fotografia, trabalha seus mistérios por meio de imagens e sons carregados em uma poesia mais à mostra, seja no trabalho dos homens na reconstrução do barco, nas angústias de Esmerina na sombreada casa ou no próprio passar do tempo nas paisagens naturais. E o encanto vem de uma busca de sentido, que amarre logicamente os desejos e os temores de todo mundo ali, mas está presente no fascínio por cada detalhe desse mosaicos de vivências.

Simbolicamente, O Barco articula isso em um processo que ressalta a força dos elementos comunicativos, separados da construção disso que se chama "sentido". As letras isoladas têm seu peso, realçados pelo deslumbramento da mãe por elas, que vai manipulando-as em uma espécie de ritual místico que indica seus caminhos.

Já o pescador, marcado por esse signo da letra em seu próprio nome, vai além e busca as palavras formadas, tendo um dicionário como uma ferramenta de emancipação. Já Ana catalisa isso tudo por meio do relato, da narrativa e da representação, um contato verbal com um mundo além que encanta e faz nutrir desejo. Cabe ao mundo pai e ao cego ancião da vila testemunhar o nascimento desse desejo.

E Petrus não se deixa levar por pretensões de ficar remoendo seu universo fantástico à exaustão e decide preservar um sentimento de conto, aliás, trata-se de uma adaptação de um homônimo, escrito por Carlos Emílio Correia Lima.

Basta pouco mais de uma hora para que ele torne vivo aquele lugar encantador e conte a bonita história que o mistério vindo do mar trouxe para lá.

 

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LUGAR No comando da fotografia, Cariry apura mistério em som e imagem - FOTO:DIVULGAÇÃO

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