
Ainda que seu nome talvez não venha imediatamente à tona quando se pensa nos artistas que marcaram a música pop em 2020, o fato é que Ariana Grande acompanhou, mesmo que de forma mais discreta do que algumas de suas contemporâneas, como Dua Lipa, o zeitgeist deste ano pandêmico. Com Stuck With U e Rain on Me, duetos com Justin Bieber e Lady Gaga, respectivamente, ela refletiu estágios iniciais dos sentimentos provocados pelo isolamento social (uma busca por intimidade e, posteriormente, a vontade de extravasar essas angústias reprimidas na pista de dança) e atingiu o primeiro lugar das paradas norte-americanas, feito que deve se repetir com Positions, faixa que dá nome ao seu sexto disco, lançado nesta sexta-feira (30) nas plataformas digitais.
Desde seu trabalho de estreia, Yours Truly, em 2013, Ariana tem mantido um ritmo de produção que lembra o de Rihanna no início da carreira, com praticamente um álbum por ano. Seu sucesso só aumenta a cada lançamento e, hoje, ela figura entre os artistas mais rentáveis da indústria musical, com números suntuosos nos streamings.
Nesse intervalo de tempo, a vida pessoal da estadunidense também passou por uma montanha-russa emocional, com eventos trágicos, como o atentado terrorista na saída do seu show, em Manchester, em 2017, e a morte de seu ex-namorado, o rapper Mac Miller, em 2018, tornando-se também um símbolo de resiliência, capturada no excelente Sweetener (2018).
Praticamente uma fábrica de hits, Ariana Grande, no entanto, não é só uma artista de singles. Seus álbuns são permeados por fragmentos biográficos de sua evolução artística e pessoal. E, se em Thank U, Next (2019) ela se reconectava com o prazer após os traumas, permitindo-se vivenciar a felicidade e o hedonismo da juventude, em Positions a estadunidense, atualmente com 27 anos, se entrega ao desejo e à descoberta do prazer sexual.
É interessante observar que, apesar de ter iniciado a carreira na televisão ainda pré-adolescente, como Britney Spears, Christina Aguilera, Miley Cyrus, Selena Gomez e outras, Ariana não passou por uma transformação de imagem tão brusca para poder falar de temas mais adultos.
O sexo e suas implicações pessoais e políticas dão o tom do novo álbum, como na faixa-título, sobre as relações de poder e os impulsos a partir do desejo, cujo clipe adiciona mais uma camada às intenções artísticas de Ariana.
A poucas semanas da talvez mais emblemática eleição da história recente dos EUA, ela aparece no vídeo como a presidente de seu país, rodeada de uma equipe racial e culturalmente diversa, formada apenas por mulheres. O posicionamento político da cantora pop, inclusive, é enfático, com constantes chamados aos seus fãs para que votem, apoio aos candidatos democratas e engajamento em movimentos sociais.
Em 34 35, que ecoa a sonoridade marcante do r&b do início dos anos 2000, ela é ainda mais direta quanto às suas vontades, explicitando ao seu parceiro suas fantasias e demandando prazer a partir de seus termos. Motive, com a cantora e rapper Doja Cat, Love Language, Nasty, Just Like Magic e a sedutora Off The Table, com The Weeknd (com quem ela já trabalhou anteriormente no hit Love Me Harder, de 2016), dão continuidade a essa ebulição hormonal, com Ariana Grande soando completamente à vontade em cantar sobre as dinâmicas do desejo, do romance à luxúria.
MINIMALISTA
Em termos de sonoridade, Positions é uma continuação da mistura de gêneros que a artista vem explorando nos últimos trabalhos, com base no r&b, pop, trap e hip hop. As produções têm uma base minimalistas e, apesar de pegajosas, as canções não são baseadas na estrutura de grandes refrões.
Dona de uma das vozes mais poderosas de sua geração, constantemente comparada com Mariah Carey (com quem, segundo rumores, pode fazer um dueto com temática natalina), Ariana não investe nos melismas e em grandes malabarismos vocais neste álbum. Uma das exceções é a ótima My Hair, que soa como uma homenagem às produções de Mariah no clássico Butterfly, e na balada POV.
Ao contrário de seus discos anteriores, que continham pelo menos uma música pronta para as pistas de dança, este é feito para o quarto (e a partir do seu imaginário). É um trabalho sobre a paixão, mas não como em Sweetener, quando estava noiva do ator Pete Davidson a quem chegou a homenagear em uma música. Aqui, o amor está intrinsecamente ligado ao carnaval, a uma intimidade e fruto da paridade proveniente da entrega e da confiança.
Ariana não parece preocupada com um ponto de chegada (um pedido de namoro, um casamento, um final feliz), como quem entende que nada é concreto e, mais do que criar expectativas, o importante é aproveitar o trajeto.
Comentários