
Falar de funk, para muitos, é falar de músicas que abusam da eroticidade em suas letras. As batidas que alternam entre o agitado e a lentidão, acompanhada das danças que exploram o sex appeal de ambos os gêneros, é evitada por boa parte da geração passada. Mas, uma nova vertente desse gênero tão marginalizado toma conta da cena e pretende quebrar qualquer preconceito impregnado ao ritmo. O funk consciente ganha destaque e dá esperança, por meio das canções que instigam o tão almejado sucesso, aos jovens que habitam as periferias brasileiras.
MC Hariel é um dos grandes nomes do segmento. Seus videoclipes hospedados no Youtube são um verdadeiro sucesso e alguns, inclusive, aproximam-se dos 100 milhões de visualizações. O primeiro capítulo de sua história começa numa garagem na Zona Norte da capital São Paulo. O ambiente servia como moradia de sua família, composta na época por seus pais, tios e duas irmãs. Além da situação precária, Hariel ainda tinha que enfrentar outro problema, o vício de seu pai com álcool e drogas. O abuso ocasionou constantes discussões entre os progenitores e só cessaram com o falecimento dele. Foi nesse momento que o MC decidiu embarcar no funk, ainda com 12 anos. Como cenário, o local escolhido foi o bairro de Vila Aurora. “O funk é tudo na minha vida. É dele que eu tiro o meu trabalho e consigo dar uma vida melhor e proporcionar estudo para minhas irmãs”, comenta.
Crescer desmotivado e sem aparente perspectiva de vida é uma realidade para muitos. Tendo passado parte de sua existência dentro dessa parcela, Hariel sabe bem que de utopia isso não tem nada. Está mais próximo do que nunca, mesmo que alguns optem por fechar os olhos. “O funk consciente ajuda a levantar a autoestima daquele moleque que nasceu na periferia e talvez não tenha oportunidade como os outros tem”, fala. O som que é da comunidade, é assim que ele define. Uma verdadeira válvula de escape para o próprio, que tenta transmitir o que vivenciou quando canta.
Também na Zona Norte, Ryan SP deu seus primeiros passos. Foi enxergando e se inspirando em outros funkeiros, como MC Lon, que ele viu um caminho para conseguir tudo que sempre quis: conceito, destaque e fãs. Apesar do preconceito sofrido, o tratamento em relação ao comportamento repulsivo sempre foi o mesmo. “Igual a sola de baixo das minhas sandálias. Tem que estar sempre abaixo de mim”, afirma. Foram nove anos de luta até conseguir emplacar o primeiro hit, mas hoje ele acredita estar representando o jovem periférico que está vencendo sem precisar de um revólver em mãos, ameaças ou chantagens, e sente-se extremamente honrado por isso. “Muitas vezes, o moleque não escuta a mãe dele, que tá dentro de casa. Mas escuta o Mc Ryan SP que tá passando a visão na música, escuta o Salvador da Rima ou o Hariel. Acha que o jovem da comunidade vai escutar o quê? Os políticos na televisão?”, ironiza.
Outro representante do movimento é Salvador da Rima, que aproveitou o próprio sobrenome para construir o seu legado dentro do funk consciente. Para ele, o gênero conseguir tanta visibilidade é uma verdadeira “vitória para a favela”. Por meio do ritmo, sua mudou vida da água pro vinho. “Querendo ou não, quando você vive a realidade do Funk, é outra parada”, diz. Com mensagens diferentes em cada música, o público que ele tenta alcançar é aquele que está no mesmo lugar que um dia já foi sua moradia. A periferia é o destino de suas letras.
Fábrica de sonhos
Desejo de uma vida estável e escapar da pobreza, muitos possuem. A chance, infelizmente, é para poucos. Um dos caminhos que oferta essa oportunidade é encontrado na produtora GR6, de Rodrigo Oliveira. Diferente do senso comum, ele não começou no funk, apesar de ter conquistado tudo que têm por meio dele. Suas raízes são do pagode. O nome de sua empresa, inclusive, é oriundo desse passado repleto de pandeiro, cavaquinho, repique e surdo. Junto com os outros membros do grupo, organizava festas pela Zona Norte paulistana e convidava funkeiros do eixo Rio - São Paulo para integrarem a lineup.
Sabe quando você faz algo pela primeira vez e parece que nasceu para isso? Pois bem, foi o que aconteceu com Rodrigo. Depois de investir no MC Léo da Baixada, ele não parou mais. “Depois dele, tomei gosto por agenciar a carreira de artistas”, conta. Hoje, ele cuida dos negócios junto de dois amigos que também faziam parte do Grupo 6° Arte, Vitor e Gugu. “Eu brinco que Deus apertou o play na minha vida e esqueceu de tirar o dedo do botão.”
Após 10 anos de estrada, Rodrigo sabe que livrou diversas pessoas da miséria. Na mesma intensidade - ou mais, ele é procurado por quem quer deslanchar no funk. Questionado se possui algum filtro para decidir se vale a pena dedicar-se a uma possível revelação ou não, ele é enfático. “Talento. Quando ele é real e forte, você vê de primeira. A gente nota que esse ou aquele moleque tem um brilho diferente. É uma coisa meio inconsciente, um tino pra isso mesmo.”
Ele não encontra palavras para definir o sentimento que lhe consome só por saber que algum artista ou música produzidos pela GR6 dá forças para alguém batalhar por um futuro melhor. E, apesar de saber que o funk ostentação também tem sua importância, acredita que o consciente ocupa um lugar especial: de inspirar as pessoas. “Podemos dizer que o funk salva vidas, sim, todos os dias. Direta ou indiretamente”, afirma.
A gratidão não é exclusiva dos pupilos. Rodrigo também partilha desse pensamento e também credita ao funk parte de suas conquistas. “A minha relação com o Funk é de extrema gratidão e respeito. Mudou minha história e a de muitos que estão por perto.”

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