
Através de uma prosa lírica aguçada, Jacqueline Woodson nos leva a Nova York dos anos 1970 neste curto, duro e belo romance que é Um Outro Brooklyn (Todavia, 120 pgs., R$ 49,90). Acompanhamos a antropóloga Augusta, que há anos vive pelo mundo pesquisando a relação dos indivíduos com a morte, enquanto ela mesma se vê diante de diversos lutos pessoais.
O mais recente é o da perda do pai, motivo que a faz voltar ao bairro onde cresceu e a confrontar o passado, tentando por ordem em suas memórias. Mas também o luto pela mãe, que desapareceu quando ela e o irmão ainda eram crianças. E ainda o da juventude e da amizades que se foram. Racismo, machismo e religiosidade formam o pano de fundo da narrativa.
Leia um trecho de Um Outro Brooklyn:
"(...) Naquele ano, todas as canções faziam referência a algo de nossa história. Amontoávamo-nos ao redor do radinho no quarto de Sylvia e ouvíamos. Quando a mãe de Gigi não estava em casa, íamos para lá depois da aula, esperávamos enquanto Gigi abria a porta com a chave que usava pendurada no pescoço. Não havia sofá na quitinete, então nos sentávamos no chão ao redor de seu toca-discos Close ‘N Play — o volume baixo. Inclinávamo-nos para ouvir enquanto Al Green nos pede para deitarmos nossas cabeças no travesseiro e Tavares nos pedia que nos lembrasse do que havia dito para esquecer.
E Minnie Riperton e Sylvia atingiam notas tão altas e longas que o mundo parecia estar no fim. O mundo ESTAVA acabando. Tínhamos sido meninas, dançando pelo apartamento da mãe de Gigi com botas brancas envernizadas de cano alto várias e várias e várias vezes. Pequenos fragmentos do Brooklyn começaram a desabar. Revelando a GENTE. Invejávamos os cabelos, as bundas, os narizes umas das outras. Emprestávamos nossas roupas e dividíamos sanduíches. Em uns dias nós ríamos até o refrigerante sair pelos narizes e os soluços surgirem em nossas barrigas.
Quando os rapazes chamavam nossos nomes nós dizíamos, "Nem ouse dizer o meu nome. Não quero ele em sua boca." Quando diziam: "Vocês são feias mesmo", sabíamos que estavam mentindo. Quando gritavam, "Convencidas!" dizíamos: "Não — confiantes!" Víamos eles passear com seus cachorros sem saber como responder para gente. Nós quatro, juntas, éramos algo que não conseguiam entender. Entendiam garotas solitárias, com os braços cruzados sobre o peito, suplicando pela invisibilidade.
(...)"
Confira as outras notícias da coluna Escrita desta terça-feira (25):
- A jornalista e escritora Ariadne Quintella reuniu contos, crônicas, poemas, perfis e artigos para compor sua Antologia em Prosa e Verso, que será lançada virtualmente na próxima sexta-feira (28), pela Edições Novo Horizonte.
Com apresentação de Lourdes Sarmento, Lourdes Nicácio e Maluma Marques, o livro apresenta ainda causos pessoais vividos por Ariadne durante seus 40 anos de atuação enquanto jornalista - inclusive tendo atuado neste Jornal do Commercio cobrindo e editando Turismo. No dia do lançamento, o livro será disponibilizado para leitura no site da editora.
-Já estão abertas as inscrições para a 5° edição do Prêmio Kindle de Literatura. Os autores interessados devem publicar seu livro de forma independente na Amazon para concorrer aos 40 mil reais, contrato com o Grupo Editorial Record e parceria com o TAG Experiências Literárias.
- Para celebrar os 60 anos de Quarto de Despejo, o Sesc promove de forma virtual e gratuita um ciclo de debates a respeito da obra e vida de Carolina Maria de Jesus. Do dia 3 ao dia 11 de setembro. Programação completa e inscrições no site do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc a partir do dia 31 de agosto.



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