Literatura

Carolina Maria de Jesus lançou Quarto de Despejo no Recife a convite de Arraes. Depois, a festa foi em Caruaru

Almoço no Buraco de Otília, hospedagem no Grande Hotel e passeio pela praia marcaram os dias da escritora pela cidade. Depois, a escritora foi conhecer Caruaru, onde jantou com o prefeito Antônio Lyra

Adriana Guarda
Cadastrado por
Adriana Guarda
Publicado em 23/08/2020 às 7:05 | Atualizado em 24/08/2020 às 17:01
Reprodução
No Recife, Carolina Maria de Jesus autografou Quarto de Despejo para uma milionária americana, no Aeroporto dos Guararapes. A filha Vera Eunice, com 7 anos na época, aparece na foto. - FOTO: Reprodução

Carolina estava animada com sua primeira visita ao Nordeste. Antes de deixar São Paulo comprou dois chapéus de palha para passear pelas praias do Recife. O ano de 1960 já estava chegando ao fim quando o então prefeito, Miguel Arraes (1916-2005), convidou a escritora para lançar Quarto de Despejo na capital pernambucana. Foi um um verdadeiro frisson na cidade e Carolina parou, literalmente, o trânsito.

Quando desembarcou no Aeroporto dos Guararapes às 21h, do dia 13 de dezembro, o saguão já estava apinhado de repórteres. Foram logo perguntando o que a escritora achava do comunismo (Carolina era admiradora de Cuba), mas ela desconversou. Veio acompanhada de Audálio Dantas e da filha Vera Eunice. Ficaram hospedados no Grand Hotel, o mais luxuoso da cidade na época e onde hoje funciona o Fórum Tomaz de Aquino.

No livro Casa de Alvenaria, ela conta que ficou surpresa com a amabilidade dos nordestinos, mas que se entristeceu com a pobreza: “O Nordeste é o quarto de despejo do Brasil”, escreveu. Em 1958, a região tinha enfrentado uma das maiores secas da sua história e ainda se recuperava do cenário de miséria. No Canindé, os “nortistas” que ela conheceu eram, em sua maioria, brutos e violentos.
No dia seguinte à sua chegada foi almoçar com Arraes, no Buraco de Otília, na Rua da Aurora. Carolina escreveu: “A casa é térrea e de madeira. Está localizada nas margens do rio Capibaribe. Através da janela vê-se o rio que corre(...). A comida estava gostosa”. Depois do almoço foi ver o mar “verde-esmeralda”, como ela observou.

LANÇAMENTO

Na tarde de autógrafos, na Livraria e Editora Nacional, na Rua da Imperatriz, o trânsito teve que ser interrompido com a presença da escritora. As pessoas se aglomeravam tentando entrar na fila. Figuras importantes da cena intelectual pernambucana estavam lá, como Josué de Castro, Ascenso Ferreira, Carlos Moreira, Paulo Cavalcanti, Audálio Alves, Cézar Leal e Olívio Montenegro.

Quando era deputado federal por Pernambuco, em 1960, Josué de Castro fez um pronunciamento sobre Quarto de Despejo. “Quarto de despejo, mostra bem que trata da miséria reinante no país. E não trata dessa miséria como demagogia nem mesmo como interpretação filosófica ou sociológica, mas como um grito de protesto contra essa realidade que tem sido tamponada, escondida, escamoteada por aqueles que se julgam patriotas por encobrir nossa miséria e deixar que ela se prolongue indefinidamente, contra os interesses do nosso povo. Presto homenagem a essa autora, a essa pobre mulher que viveu a fome e que sofreu a fome, não cerebralmente, como interpretação, mas que sofreu na sua própria carne a fome no seu estômago e não no seu cérebro.”

Vera Eunice, que tinha 7 anos na época, diz que recorda a visita. “Miguel Arraes tratou a gente muito bem e fomos até na casa dele. Depois do Recife fomos para Caruaru. Nessa época lá era tudo de terra e tinha um coreto (na Praça Pedro de Souza). Também lembro que foi tudo muito festivo, tinha muita música”, conta.

Em Caruaru, Carolina foi recebida pelo prefeito Antônio Lyra. Teve festa com muita música, dança e bebida. Ela observou os zabumbeiros olhando pra ela com admiração. Viu que eram dois pretos mal vestidos e lembrou dos moradores da favela. Deu mil cruzeiros à dupla, Audálio deu mais mil. Ganhou de presente bonecos do mestre Vitalino e gostou do que representava “O Jornalista”. Foram três dias felizes por aqui.

 

Comentários

Últimas notícias