VIOLÊNCIA | Notícia

Linchamento em Tabira: 'Atos considerados intoleráveis atuam como gatilhos para barbárie', diz especialista

Doutor em direito e mestre em direitos humanos, Fred Monteiro Rosa explica a violência presente no fenômeno da 'justiça com as próprias mãos'

Por Raphael Guerra Publicado em 20/02/2025 às 10:21 | Atualizado em 18/03/2025 às 9:05

As cenas chocantes do linchamento do homem suspeito de matar uma criança de 2 anos no município de Tabira, no Sertão de Pernambuco, repercutiram em todo o País nos últimos dias. E abriram espaço, novamente, para a discussão sobre o fenômeno da "justiça com as próprias mãos", que não está presente só no Brasil, mas sobretudo em países em desenvolvimento, como avalia o doutor em direito e mestre em direitos humanos, Fred Monteiro Rosa. 

"A 'justiça com as próprias mãos' é um mecanismo arcaico de justiçamento [punição aplicada de forma ilegal], que foi substituído com a origem do Estado Moderno pela concepção atual de justiça, na qual o Poder Público assume o jus puniendi - um marco civilizatório. No entanto, algumas formas de justiçamento nunca deixaram de existir: é o caso do linchamento", disse. 

"Há registros de linchamento em vários lugares do mundo, mas países com desenvolvimento precário, como os da América Latina e África, apresentam uma incidência maior de atos de violência coletiva, como esse ocorrido em Tabira, sendo o Brasil um dos lugares com maior número de registro do planeta", pontuou Fred, que também é professor universitário e coordenador da Clínica de Segurança Pública Cidadã da Unicap. 

Na última terça-feira (18), Antônio Lopes Severo, de 42 anos, conhecido como Frajola, foi arrancado da viatura policial por moradores de Tabira e espancado até a morte.

A companheira dele, Giselda da Silva Andrade, 30, também ficou ferida. Ambos são suspeitos de matar o menino Arthur Ramos Nascimento, dois dias antes. A Polícia Civil segue investigando o caso. 

Na avaliação de Fred, os atos de violência praticados contra acusados de crimes são considerados por parte da população como uma forma de "restabelecer o equilíbrio social", sobretudo por causa da descrença de que o Estado e a Justiça são capazes de aplicar punições exemplares. 

"Atos que são considerados intoleráveis atuam como gatilhos para o desencadeamento da barbárie: homens, mulheres e até crianças, participam de um ritual de sacrifício, no qual a pessoa linchada perde sua humanidade pela desfiguração do seu corpo físico provocada pelo espancamento. Além das questões sociológicas, temos questões jurídicas: o linchamento em si, ou seja, a formação de grupos com o intuito de punir alguém através do suplício corporal, não é crime no Brasil. As outras ações que envolvem o linchamento, como lesão corporal e homicídio, estas sim, estão previstos no Código Penal", explicou. 

IMPUNIDADE

Fred Monteiro Rosa pontuou que, em muitos casos de linchamento, prevalece a impunidade.

"O linchamento é um fenômeno muito difícil de se lidar, seja pelo volume de pessoas envolvidas, seja pela inércia complacente dos órgãos estatais. Ou pelo histórico de absolvição dos envolvidos nos poucos casos que chegaram ao tribunal do júri, pois, em certa medida, os jurados compartilham dos mesmos sentimentos que motivaram os linchadores", avaliou. 

O linchamento do suspeito de matar Arthur está sendo investigado pela Polícia Civil de Pernambuco, que promete identificar e punir os responsáveis. Ao mesmo tempo, a Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) instaurou um procedimento para apurar a conduta dos policiais envolvidos na ação.

A governadora Raquel Lyra, inclusive, classificou como "barbárie" o linchamento e afirmou que a apuração da Corregedoria vai indicar "os erros que aconteceram" em relação à condução da polícia no caso. 

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