Colorir para cuidar: como Bobbie Goods e Coco Wyo transformam livros em terapia para pessoas com neurodivergência

Colorir livros com canetinhas se tornou mais que uma brincadeira: é ferramenta terapêutica para estimular foco, coordenação e expressão

Por Maria Clara Trajano Publicado em 27/06/2025 às 19:30

Populares nas redes sociais por seus desenhos detalhados, os livros como Bobbie Goods e Coco Wyo têm ganhado espaço fora do ambiente virtual — especialmente em consultórios de profissionais que trabalham com o desenvolvimento infantil.

As ilustrações unem arte, textura e cor, e a atividade passou a ser usada como ferramenta terapêutica para crianças com neurodivergência, como transtorno do espectro autista (TEA), transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e dislexia, além de crianças com a trissomia do cromossomo 21, também conhecida como síndrome de Down.

A terapeuta ocupacional Cinthya Rodrigues, da Clínica Mundos, explica que o Bobbie Goods se tornou um recurso lúdico que estimula múltiplas habilidades: “A técnica combina coordenação motora fina, percepção tátil e visual, além de oferecer uma experiência de foco e autorregulação. Isso é extremamente valioso para crianças com autismo, por exemplo, que muitas vezes têm dificuldade com concentração e estímulos simultâneos”.

A adaptação pode ser feita de forma simples, de modo que facilite a interação das crianças com neurodivergências com os livros: cartelas com desenhos em alto-relevo que guiam o preenchimento com canetinhas.

A textura funciona como estímulo tátil direto. “É como se o desenho ‘conversasse’ com o toque da criança. E isso promove muito mais que um resultado estético — é uma construção sensorial que trabalha diversas habilidades de forma leve e divertida”.

Expressão sem a necessidade da fala

Segundo Cinthya, o livro de ilustrações é especialmente útil para crianças não alfabetizadas ou não verbais. “O Bobbie Goods é uma linguagem acessível, que não exige fala, leitura ou escrita. É por isso que ele é tão inclusivo. Com ele, conseguimos acessar potenciais e trabalhar aspectos motores, emocionais e até sociais”.

Ela conta que, em muitos casos, o método serve como ponte entre a criança e o ambiente.

“A gente vê brilho nos olhos, vê iniciativa, vê a criança escolhendo a cor que quer usar, interagindo com o ambiente de uma forma única. É uma maneira lúdica bastante eficiente para ela se expressar através da pintura, da mistura de cores e, assim, percebermos como ela vê o mundo, como enxerga determinadas situações, como se expressa”.

Adaptações para cada perfil

A técnica pode ser adaptada com instruções visuais, sequências menores e auxílio verbal, de acordo com a necessidade de cada criança. “Por ser altamente visual e concreto, ele ajuda a manter o foco de quem tem TDAH e a desenvolver habilidades de planejamento e coordenação motora”.

Veja alguns dos benefícios mapeados por profissionais de saúde:

  • Autismo: estímulo sensorial, foco, coordenação motora, expressão emocional;
  • TDAH: atenção sustentada, organização visual, redução da agitação;
  • TDA: melhora da concentração, execução de tarefas simples e estruturadas;
  • Dislexia: apoio à lateralidade, percepção visual e sequência de ações;
  • Síndrome de Down: estímulo motor fino, autonomia, autoestima e senso estético;

Desenvolvimento sem pressão

O maior diferencial dos livros de colorir, segundo a terapeuta, está no prazer da experiência. “A criança não precisa desenhar ‘certo’. O importante é o processo. É nesse caminho que ela desenvolve capacidades que farão diferença em outras áreas da vida, como a escrita, a alimentação autônoma ou o autocuidado”.

Cinthya também destaca o impacto na convivência familiar: “A gente acolhe isso porque também fortalece os vínculos. Um irmão que antes não sabia como brincar com o irmão autista agora descobre uma forma de fazer isso junto. Isso é muito poderoso”.

Durante o mês de julho, aproveitando o recesso escolar, a Clínica Mundos oferecerá oficinas terapêuticas da técnica em suas unidades no Recife (Ilha do Leite, Boa Viagem, Agamenon Magalhães) e em Caruaru, voltadas para pacientes e familiares. O objetivo é continuar estimulando o desenvolvimento de forma afetiva, acessível e criativa.

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