Nova LPUOS e Distrito Guararapes: como Recife busca recuperar população e transformar o Centro
Videocast Metro Quadrado, recebeu o secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento do Recife, Felipe Matos, para debater a cidade
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Recife se prepara para uma transformação significativa em seu desenvolvimento urbano-imobiliário com a entrada em vigor da nova Lei de Parcelamento de Uso e Ocupação do Solo (LPUOS). A legislação, que começa a valer a partir do começo de dezembro, busca atualizar preceitos urbanísticos desatualizados e reverter a perda de população observada na capital pernambucana.
Felipe Matos, secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento do Recife, explicou que a lei foi concebida para "trazer o cidadão comum para dentro do debate" e resolver problemas urbanos que decorrem de uma legislação que "já não condiz com aquilo que o urbanismo preceitua ou com as necessidades da cidade". Ele foi o convidado do episódio da última quinta-feira (30) do videocast Metro Quadrado, com apresentação do titular da coluna Metro Quadrado, o jornalista Lucas Moraes, e presença contínua do advogado patrimonial e de negócios imobiliários Amadeu Mendonça, sócio diretor do Tizei Mendonça Advogados Associados.
>>>> veja o episódio completo do videocast Metro Quadrado
A LPUOS estrutura-se em cinco eixos principais, sendo o primeiro focado em habitação popular: "O que a gente tentou nessa nova lei, eu diria assim em cinco principais eixos, né... que é o de principalmente favorecer a moradia popular, a volta da moradia popular no Recife, principalmente empreendimentos Minha Casa, Minha Vida, que foi um eixo que a gente apelidou de cidade para todos", reforça o secretário.
Habitação Popular: atraindo o MCMV
Um dos grandes desafios que a LPUOS pretende superar é a "expulsão" da população de baixa e média renda para municípios vizinhos. Estudos apontam que, de 2010 a 2022, o Recife perdeu população enquanto a Região Metropolitana ganhou.
Segundo Felipe Matos, hoje, "só se constrói no Recife moradia de médio alto padrão", e cerca de 60% da população não tem acesso a novas moradias na cidade. Enquanto Recife viabilizou 9.700 unidades do MCMV entre 2009 e 2024, cidades como Fortaleza e João Pessoa produzem "coisa de 8 a 10 [mil] por ano". "A nossa grande expectativa com a lei é trazer, passar a produzir esse tipo de moradia no Recife", afirmou Matos.
Para viabilizar a construção de empreendimentos mais econômicos, a lei traz mecanismos como a criação do Índice de Área Comum, que permite ao construtor do MCMV "ter a liberdade de definir o que que é a área privativa e o que que é a área comum" dentro da área construída total. Na prática, isso possibilita que o construtor de MCMV "vai poder construir mais metros quadrados" e disputar terrenos com a habitação de médio alto padrão.
Outra medida relevante é a desobrigação de vagas de garagem (uma diretriz já prevista no Plano Diretor de 2020), que reduz custos em empreendimentos para populações de média e baixa renda, especialmente próximos a corredores de transporte público.
A lei também busca evitar a segregação de renda. Ao permitir que todas as faixas do Minha Casa, Minha Vida sejam beneficiadas, a expectativa é que bairros de "médio, alto padrão passem a poder receber empreendimentos de faixa 3 e 4".
O advogado Amadeu Mendonça ressaltou que a atualização legislativa é crucial. "O que a gente tem que considerar é que a cidade ela é viva", o que torna natural que a lei se adapte a essa nova realidade, incluindo conceitos de cidades inteligentes. Ele também destacou que não se trata apenas de viabilidade econômica: "A questão legislativa, desburocratização legislativa também é um fator muito importante", pois o poder público precisa dar celeridade para que a iniciativa privada invista.
Preservação e adensamento
Apesar do foco no desenvolvimento, a LPUOS prioriza a preservação, triplicando a área de preservação histórica de 2% para 8%. Sobre as restrições geográficas da cidade, Matos destacou que o Recife fez uma escolha clara: preservar a sua alma. "Aquilo que é caro ao Recife, que é a alma do Recife... a gente restringiu mesmo". Contudo, nas áreas urbanas e passíveis de urbanização, "a gente precisa adensar, a gente precisa ocupar".
A lei também incorpora conceitos da extinta "Lei dos 12 Bairros" que foram considerados positivos, como a exigência de "parâmetros qualificadores do lote" (quinto eixo, apelidado de Cidade Melhor). Isso inclui a desobrigação de muros em favor de cercas com permeabilidade visual (vidro, grade) para gerar "olhos na rua", faixas de ajardinamento frontal e o estímulo às "fachadas ativas" para promover o comércio de rua.
A regeneração do Centro e o Distrito Guararapes
Outra grande expectativa atrelada à nova legislação é a regeneração do centro. Felipe Matos rejeita a palavra "revitalizar", pois, para ele, o Centro não é uma área sem vida, mas sim "uma área degenerada que precisa de uma recuperação".
A nova lei permite que a liberação de potencial construtivo em outras áreas da cidade esteja atrelada exclusivamente a "o retrofit para a habitação no centro da cidade". Matos reforçou a necessidade de atrair moradia: "O desafio do centro é ocupar os imóveis já construídos. E aí, por isso que a gente amarrou no e o desafio do centro é trazer moradinha. Então tem que ser para habitação, não pode ser para outra coisa".
Este incentivo se junta ao pacote mais amplo de medidas do Distrito Guararapes, um projeto concebido em parceria com o BNDES. O perímetro abrange a área entre a Avenida Nossa Senhora do Carmo e a Praça da República.
O projeto foca na intervenção direta em 14 edifícios com "questão fundiária difícil" (múltiplos proprietários, massa falida, espólio). Nesses casos, a prefeitura irá desapropriar os imóveis por valor de mercado e, através de uma Parceria Público-Privada (PPP), passará a obrigação do desenvolvimento imobiliário a um concessionário.
O concessionário terá a obrigação de construir quase 900 moradias dentro do Minha Casa, Minha Vida. Em troca, a renda gerada pela moradia bancará a obrigação de revitalizar cerca de 140.000 m² de área pública, incluindo a Orla da Rua Martins e Barros, Rua do Sol, Praça da Independência, Avenida Guararapes e Dantas Barreto.
Com a LPUOS sancionada em 3 de outubro e publicada em 4 de outubro, ela entra em vigor 60 dias após a publicação, ou seja, a partir de 4 de dezembro. A Prefeitura está em fase de transição e contato com o setor produtivo para dirimir dúvidas via decreto e instruções normativas.
A expectativa do poder público é que a lei traga segurança jurídica para o setor, que vinha freando novos projetos devido à incerteza. Já há notícias de que "empresas pernambucanas que só atuavam na região metropolitana, agora já estão se programando para vir pro Recife", além de empresas de fora do estado buscando a cidade.
"A nossa expectativa é que isso indiretamente comece a corrigir alguns problemas de mobilidade. Então, uma pessoa que antes morava longe, agora possa morar perto do trabalho. A nova legislação rompe com a visão rodoviarista e segregacionista de usos da lei anterior (de 1996), incentivando o uso misto (residências e escritórios próximos) para que o cidadão possa "fazer tudo a pé, tudo de bicicleta, num espaço seguro", diz Matos.