A nova lei para construções no Recife: conheça o que pode mudar nos bairros da cidade
A proposta de Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS) passará por audiência pública. Minuta traz avanços que agradam setor construtivo

Capital com alta densidade, escassez de terrenos e uma série de restrições construtivas, o Recife está prestes a modernizar a sua legislação sobre Uso e Ocupação do Solo, agora LPUOS - Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. Com projeto já em fase final, a prefeitura da cidade tem apresentado a minuta da legislação a entidades civis e associações de classe, que apontam avanços e novos desafios no que diz respeito às construções e revitalizações de edificações em território recifense.
Na última quinta-feira, uma comissão interinstitucional liderada pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU/PE), com participação do CREA-PE, da OAB-PE e do IAB-PE recebeu o secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento do Recife, Felipe Matos, que elencou as mudanças que estão por vir ainda neste primeiro semestre, seguindo a cartilha do novo Plano Diretor, aprovado em 2021.
O parecer técnico da comissão reconheceu que a minuta representa um avanço normativo ao alinhar-se ao Plano Diretor, destacando como pontos positivos o redesenho do território com base em macrozonas e setores específicos, os parâmetros voltados à sustentabilidade urbana e a valorização de zonas especiais como ZEIS, ZEPH e ZEC. Além da criação de instrumentos voltados à requalificação de imóveis ociosos e ao incentivo à habitação de interesse social. “A nova setorização territorial e os parâmetros voltados à sustentabilidade representam um salto em direção a uma gestão urbana mais integrada e baseada nas vocações locais de cada área da cidade”, disse o presidente do CAU/PE, Roberto Salomão.
A proposta da Prefeitura do Recife substitui as leis urbanísticas de 1996 e 1997, justamente para se adequar ao objetivo de implementar as diretrizes do Plano Diretor. A proposta, a ser debatida em audiência pública na tarde do próximo dia 8 de abril, no Teatro do Parque, reorganiza o território em duas macrozonas — Ambiente Construído (MAC) e Ambiente Natural e Cultural (MANC) —, que se desdobram em zonas urbanísticas e setores específicos, permitindo a aplicação de parâmetros urbanísticos mais ajustados às particularidades locais.
O texto também introduz instrumentos de qualificação ambiental, como a Taxa de Solo Natural (TSN), a Taxa de Contribuição Ambiental (TCA), e exigências para reservatórios de reuso e retardo de águas pluviais. Estímulos à melhoria do espaço urbano incluem parâmetros para fachada ativa, térreo visitável e fruição pública.
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Na avaliação do CAU-PE, o projeto trata as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS 1 - áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda - e ZEIS 2 - áreas de Programas Habitacionais de Interesse Social propostos pelo Poder Público) como áreas prioritárias para regularização fundiária e provisão de infraestrutura.
As Zonas de Centralidade (ZEC - com concentração de atividades econômicas) permanecem reconhecidas por sua função estratégica no tecido urbano, enquanto as Zonas de Preservação (ZEPH) recebem diretrizes específicas para salvaguarda da memória cultural.
A proposta também prevê o aproveitamento de imóveis ociosos com fins habitacionais e patrimoniais, por meio das figuras dos Imóveis Especiais de Interesse Social (IEIS) e dos Imóveis Especiais de Preservação (IEP).
HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL
A nova lei também dá um salto considerável em relação à viabilidade da habitação de interesse social no Recife. Para quem constrói, a cidade entrará numa nova fase para projetos como os do Minha Casa, Minha Vida, com o potencial construtivo de áreas comuns podendo ser utilizado como área privativa.
Em outras palavras, significa que a prefeitura vai permitir a ampliação da área construída privativa quando se trata de habitação de interesse social, o que desdobra em número maior de unidades habitacionais por empreendimento e conseguinte margem de lucro para o construtor, viabilizando economicamente a atração deste tipo de moradia para a cidade, que atualmente tem um número restrito de habitações. Estima-se que as áreas de potencial construtivos dos lotes aumentem em quase 50%.
RETROFIT E CRÉDITO
A prefeitura está integrando à nova legislação a promessa feita ainda durante a campanha para reeleição do prefeito João Campos (PSB), que dava conta da criação de um bônus ou crédito construtivo a partir da priorização de projetos de retrofit (reforma para novo uso) de edificações no Centro da cidade.
Pelo texto, a cada metro quadrado reformado nos bairros da Boa Vista, Santo Antônio, São José e Bairro do Recife com destinação a uso habitacional, o construtor recebe um metro quadrado para obras em Boa Viagem, quando da Outorga Onerosa do Direito de Construir. No caso de habitação social nos bairros citados do Centro do Recife, o crédito passa de 1 metro quadrado para 2 metros quadrados.
Apesar de celebrar a medida, o setor construtivo aponta que o ideal seria não restringir o crédito apenas para novas edificações em Boa Viagem, vide a falta de terrenos e o já alto adensamento do bairro da Zona Sul.
CUIDADOS COM ADENSAMENTO SEM INFRAESTRUTURA
O setor, aliás, alerta para a manutenção dos trechos da Lei dos 12 bairros (que limita altura de construções em áreas nobres) e a dificuldade para desmembramento de lotes ainda ajudar a manter o adensamento em áreas já consolidadas da cidade e também nos bairros vizinhos que estão à margem da lei. A restrição a novos empreendimentos tem gerado concentração em alguns poucos bairros, levando ao encarecimento do metro quadrado e ao desenvolvimento da cidade de maneira não uniforme.
Para o CAU-PE entre os pontos considerados críticos estão ainda a complexidade da aplicação setorial, a ausência de mecanismos de monitoramento da política urbana e a dependência de regulamentações futuras para operacionalização de critérios técnicos. Também são apontados o descompasso entre os parâmetros de adensamento propostos e a infraestrutura urbana instalada em algumas áreas da cidade, o que pode levar a um número maior de construções sem a garantia de infraestrutura adequada para atender a população.
“O avanço normativo proposto depende diretamente da articulação entre regulamentações complementares, capacidade de fiscalização e investimentos públicos estruturantes, especialmente em áreas vulneráveis”, complementa Salomão.