Garimpo de livros atuais
Em conversa sobre os bastidores da edição, profissionais do setor falaram da busca de obras conectadas a tendências para a leitura contemporânea

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A diversidade no mercado editorial brasileiro se expressa, nas editoras, entre outros fatores, no perfil de publicação, na busca por novos autores e na visão do negócio do livro. Mas também há muito em comum, apesar dos distintos portes e nichos de atuação. Dentro da programação do 4º Encontro de Editores, Livreiros, Distribuidores e Gráficos, realizado pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) no Casa Grande Hotel, em Guarujá, São Paulo, um debate na quinta, 21, reuniu mulheres editoras, com a mediação de Rodrigo Casarin. Participaram do bate-papo a CEO da Editora Gente, Rosely Boschini; a diretora editorial da Ubu, Florência Ferrari; a gerente executiva editorial da VR, Tamires Von Atzingen; e a editora de aquisição da Companhia das Letras, Yasmin Santos.
Segundo Florência Ferrari, a Ubu procurar trazer para o Brasil autores internacionais que ofereçam “ferramentas de reflexão para pensar fenômenos que estão acontecendo hoje”. Ela disse que mantém contato com “editoras-irmãs” na Argentina, no México, na Espanha e outros países, que publicam títulos com o mesmo perfil da Ubu. Na mesma linha, Yasmin Santos afirmou que presta atenção aos pontos de contato do que se publica lá fora, especialmente no Sul global, com o que está em pauta na sociedade brasileira. “Chega muito rapidamente o que está sendo discutido nos Estados Unidos e na Europa, e às vezes a gente vai saber o que está em discussão na Nigéria porque venderam direitos para os Estados Unidos”, compara.
Para Tamires Von Atzingen, da VR, é impossível não pensar no leitor que se deseja atingir, ao mesmo tempo em que a editora garimpa autores que possam ser construídos. “O autor não precisa vir pronto, porque também fazemos a formação do autor”, comenta Rosely Boschini, da Gente. O mediador Rodrigo Casarin aproveitou a deixa para perguntar sobre a visão das convidadas a respeito da influência de escritores brasileiros no ambiente internacional. “Temos autores nacionais que poderiam ter exposição maior lá fora”, respondeu a CEO da Gente. Para Rosely, a síndrome de vira-lata atrapalha, e não se faz para o exterior o mesmo movimento que se observa de fora para cá. “Mas não somente por uma editora, e sim, por um bloco”, sugere.
Modelo de negócio
A Ubu não publica livros que não se paguem em um ano, segundo Florência Ferrari. Por isso não aumenta o número de títulos, fazendo entre 20 e 24 livros por ano. Um clube de leitura exclusivo com 2 mil assinantes ajuda no fechamento da conta, entregando um livro por mês. Como cada livro se paga com cerca de 1.500 exemplares vendidos, os 12 livros do clube num ano já resolvem metade da produção. Os demais que são publicados, ou são de autores muito conhecidos, ou é um livro de arte patrocinado, por exemplo, que também vão se pagar em um ano. “Temos preocupação muito grande com a sustentabilidade, e em ser uma editora de fundo de catálogo, ou seja, de livros que permaneçam no catálogo, e à medida em que o tempo vai passando, a editora vai ficando sustentável com esses títulos. E um catálogo consistente faz com que autores sejam atraídos”, explicou Florência Ferrari.
Lugar para outros lugares
“O pouco que conheço do mundo, conheci primeiro pela literatura”, contou Yasmin Santos da Companhia das Letras. “Os livros são esse lugar em que você consegue fazer com que as pessoas conheçam outros lugares”, define, destacando a publicação, pela Companhia das Letras, da surinamesa Astrid Roemer, “Sobre a loucura de uma mulher”, que teve a tradução de Mariângela Guimarães. “Sempre quis ser editora, achava o máximo canetar o texto de outras pessoas”, relatou Tamires Von Atzingen, da VR. Quando descobriu o mundo das aquisições, pensou: “Posso ser alguém que vai escolher livros”!
Tendências temáticas
Provocadas por Rodrigo Casarin sobre os temas que se apresentam como tendências no mercado editorial, as editoras apontaram o que deve continuar atraindo a curiosidade dos leitores. Questões sobre o meio ambiente e Inteligência Artificial, por exemplo, na ótica de Florência Ferrari. “O feminismo vai ter que mudar a abordagem, há um esgotamento da quantidade de livros sobre feminismo de determinada forma”, acredita a diretora da Ubu. Focada em negócios e desenvolvimento pessoal, a editora Gente também busca nas tendências contemporâneas o material para publicação. “Saúde mental é pauta mundial”, cita Rosely Boschini.
Quem é essa leitora?
A editora de aquisição da Companhia das Letras, Yasmin Santos, ressaltou o fato, comprovado por pesquisas, de que a leitura contemporânea de livros é realizada, em sua maior parte, por mulheres. “É claro que temos muitos leitores homens, mas existe uma mudança de paradigma, as mulheres lendo”, disse. “Mesmo que estejam lendo um homem branco”, elas querem se ver nos livros, e os livros precisam deixar de “considerar os seres humanos apenas homens”. A literatura já começa a refletir o novo panorama. “Sei que não é fácil ser um autor branco nos últimos dias, mas nunca foi fácil ser uma mulher autora. Isso está mudando para melhor, porque beneficia a sociedade como um todo”.