A ponte que a língua inventa
Para o escritor angolano Ondjaki, há muito a ser melhorado para maior integração entre os países de língua portuguesa – inclusive decisão política

Um dos convidados internacionais do 20º Festival Literário Internacional de Poços de Caldas – Flipoços, o premiado escritor angolano Ondjaki participou de debate em homenagem ao Dia Mundial da Língua Portuguesa, celebrado em 5 de maio. Em entrevista ao JC-PE, o escritor lista algumas providências que poderiam ser tomadas para acelerar a integração cultural entre os países que compartilham a raiz linguística, como mais investimento na circulação de livros, escritores e artistas em geral, na produção de eventos e formação relacionada à literatura e outras artes. “É preciso descobrir uma ponte dentro dessa ponte que a língua inventa: são as pessoas”, diz ele.
Ressaltando as diferenças culturais e linguísticas entre os países lusófonos, o autor de “O livro do deslembramento” e “Coisas desalinhadas” publicados no Brasil pela editora Pallas, defende a valorização de cada língua, e recorda que “para angolanos e moçambicanos, a língua portuguesa tem uma estrutura não rígida”, o que facilita a expressão. Para Ondjaki, o interesse político é crucial para a aproximação dos povos de língua portuguesa, cabendo ao Brasil importante papel nesse sentido: “No dia em que as relações dentro da Comunidade forem uma prioridade para os políticos brasileiros, talvez haja mudanças mais significativas”, acredita.
A seguir, a entrevista.
A língua portuguesa é costumeiramente comparada a uma ponte unindo os povos lusófonos. Mas também pode ser vista como o próprio rio, que é necessário atravessar para se alcançar a outra margem. Na sua visão, como está a integração lusófona atualmente?
Ondjaki - Eu já não sei bem o que seria essa integração... Realmente temos língua e linguagens comuns, mas culturalmente, os países que formam a Comunidade de Língua Portuguesa, são muito heterogêneos. Mas sinto que falta, sim, concertação nos planos social, cultural e até político. É preciso descobrir uma ponte dentro dessa ponte que a língua inventa: são as pessoas.
Dentro de cada país, a língua portuguesa tem variações de formação, como no Brasil nordestino ou sulista. Como isso deve ser valorizado, em contraste à compreensão que simplifica a linguagem para todos?
Ondjaki - Creio que isso depende de uma tomada de decisão de cada país. A realidade linguística, digamos assim, dos nossos países é muito diferente. A Guiné Bissau e Caboverde, por exemplo, têm a língua portuguesa além das suas línguas criolas. Mas em Angola e Moçambique, a língua portuguesa, sendo a oficial, convive com outras línguas. Sobretudo no caso de Moçambique. Eu creio que todas as línguas, vastas ou menores, devem ser valorizadas. Incluindo, claro está, as línguas indígenas do Brasil.
Quando você escreve, já aproveita a combinação de sentidos e formas da língua portuguesa em variados lugares?
Ondjaki - Eu cresci no meio dessa combinação de diferentes sentidos e sensações da língua portuguesa. Eu sinto a ‘minha’ língua portuguesa, mesmo quando a uso na minha escrita mais artística, como algo natural. E a língua portuguesa falada em Angola, tanto nos anos 80 (quando eu cresci) como nos dias de hoje, ela é muitíssimo arejada. Deixa-se permear ou por influências locais ou até mesmo globais. Então, creio que para angolanos e moçambicanos, a língua portuguesa tem uma estrutura não rígida. E isso ajuda no nosso modo de nos exprimirmos em língua portuguesa.
Como você vê o papel do Brasil para a integração lusófona?
Ondjaki - O Brasil é um dos grandes, da nossa Comunidade. É um gigante cultural e político. Deduzo que no dia em que as relações dentro da Comunidade forem uma prioridade para os políticos brasileiros, talvez haja mudanças mais significativas. Mas acredito que todos, independentemente do seu potencial ou tamanho, devem contribuir para um maior fluxo cultural dentro da nossa comunidade de língua portuguesa.
Quais as principais diferenças entre a realidade editorial em Angola e no Brasil?
Ondjaki - Não tem sequer comparação. Não é possível. O único mercado com o qual se pode efectuar uma comparação, salvaguardando as proporções, é entre Brasil e Portugal. Nos outros países da comunidade, a movimentação editorial é tímida e reduzida.
O que os eventos literários significam e podem fazer na aproximação dos povos lusófonos?
Ondjaki - Podem cumprir o seu papel de divulgação e de trocas culturais. Mas exige alguma regularidade, algum investimento e algum interesse também político. Não creio que nenhuma destas três condições se encontrem resolvidas.
Na sua opinião, a representação institucional da literatura de língua portuguesa está bem posta e atuante? O que há no âmbito da CPLP e além, que poderia ser melhor?
Ondjaki - Eu creio que há aspectos que são absolutamente evidentes e que poderiam ser melhorados: circulação de livros e de escritores (ou mesmo de artistas) seriamente promovida, facilitado ou mesmo patrocinada pelos Estados membros da Comunidade de Língua Portuguesa; investimento em festivais e eventos, mas sobretudo na formação de profissionais afectos à área da literatura ou das artes em geral. Promoção das nossas literaturas em formatos combinados entre os países, com a circulação de conteúdos, concursos, ou seja, promovendo a interação entre os povos, seja do ponto de vista dos produtores de literatura como dos consumidores. Articulação de Ministérios e Escolas em todos os países para a promoção, criação e absorção de conteúdos que dizem respeito a todos os estados membros. Reavaliação dos modelos escolares e criação de manuais comuns a todos os países. Bolsas não só de estudo, mas ‘bolsas de cultura’, para a formação, frequência ou troca de aptidões culturais. Divulgação das literaturas ‘em língua portuguesa’ fora dos espaços da nossa língua, ou seja, um apoio financiado e estruturado de modo a divulgar as nossas culturas. E a lista continuaria...
Obrigado.