Isabel Milhanas em Poços de Caldas: "A arte vem da vida"
Escritora portuguesa participa do Flipoços, e conta sobre sua experiência de residência literária na primeira visita que faz ao Brasil

Ela chegou ao Brasil para observar, interagir – e escrever. A residência literária proporcionada pelo Festival Literário Internacional de Poços de Caldas, o Flipoços, em edição comemorativa de 20 anos, conta com o apoio do Instituto Camões de Brasília. A escritora Isabel Milhanas Machado foi a selecionada, e participa do evento que começou no dia 26, e segue até o próximo domingo, 4 de maio. Encantada com o clima de festa de ideias e palavras, a poeta, autora de “O sol em maio”, publicado pela Urutau, diz nesta entrevista ao JC-PE que cresceu lendo Carlos Drummond de Andrade e escutando as músicas de Caetano Veloso. Para ela, que vivencia a experiência marcante de uma residência literária, “a cultura não pode ser uma coisa afastada de nós. É algo que se senta à mesa conosco. A arte vem da vida e é-lhe devolvida, na esperança de a tornar melhor”.
Isabel Milhanas Machado participa da mesa de encerramento do Flipoços, neste domingo, a partir das 3 e meia da tarde, em homenagem ao Dia Internacional da Língua Portuguesa. Um debate que também terá as presenças da escritora e jornalista moçambicana Conceição Queiroz, do escritor angolano Ondjaki e da professora portuguesa Celia Souza. A mediação será de Gisele Ferreira, coordenadora do evento, e da escritora e psicanalista Samantha Buglione.
Leia abaixo a entrevista.
O que a residência literária no Flipoços está lhe proporcionando? Como se sente no Brasil?
Isabel Milhanas Machado - É a minha primeira vez no Brasil. Tenho sido recebida de uma forma muito amável por todos. É uma cidade lindíssima em que borbulham ideias e inspirações. O Festival tem uma atmosfera única. Parece que pessoas de todo o mundo que nunca se conheceram estão reunidas numa sala de estar a debater ideias, trocar opiniões e a construir um futuro melhor através da literatura. É muito entusiasmante poder mostrar o meu trabalho em Poços de Caldas. Tenho ido a várias turmas da cidade apresentar alguns poemas e falar sobre a escrita, o que tem contribuído muito para a minha percepção sobre o país. Poder partilhar a minha história com estas crianças e jovens é fantástico.
Qual a sua percepção sobre a ligação entre a literatura brasileira e a portuguesa?
Isabel Milhanas Machado - Bom, eu cresci a ler Carlos Drummond de Andrade e a ouvir Caetano Veloso. A língua que nos une ganha uma vida nova e maravilhosa no Brasil. Autores como Millôr Fernandes e Carolina Maria de Jesus foram inspiradores para mim nos últimos anos. Dois dos meus livros foram publicados por editoras luso-brasileiras, por isso é muito bom poder finalmente estar nestes sítios. A literatura tem isso: consegue viajar para todos os lugares. E neste caso, os meus livros vieram ao Brasil muito antes de mim.
Você tem formação em teatro. Como a sua escrita reflete a proximidade e conhecimento da arte dramática?
Isabel Milhanas Machado - Os meus primeiros trabalhos publicados foram peças de teatro. Textos que publiquei depois de serem levados a cena. Sempre quis registar o que fazia em palco no papel, e daí nasceu o meu primeiro livro “Robes”. A prática do teatro - como atriz, encenadora, produtora - sempre esteve presente na minha vida, fosse como “ganha-pão” (produção de espetáculos), como também no primeiro contacto com a poesia que, para mim, continua muito relacionado com a prática teatral: de personagens que falam umas com as outras, de situações que nos sugam e nos alimentam. Eu escrevo textos, trabalho com livros “das 9h às 17h” no meu trabalho remunerado numa biblioteca, e tenho o meu coletivo artístico - Coletivo Câmara - onde criamos espetáculos a partir de processos criativos partilhados, entre nós e com a comunidade. A arte é sempre das pessoas, a cultura não pode ser uma coisa afastada de nós. É algo que se senta à mesa conosco. A arte vem da vida e é-lhe devolvida, na esperança de a tornar melhor.
Como é sua rotina de leitura e escrita?
Isabel Milhanas Machado - Varia bastante. Escrever é uma prática que exige uma rotina, mesmo que a produção seja pouca ou se aproveite muito pouco depois. Mas eu acho que estamos sempre a escrever, estamos sempre “a colher”. No âmbito desta residência em específico, eu trago de Lisboa uma personagem que está comigo desde que aterrei. Ela está comigo nos locais que visito, nas pessoas que conheço. Eu não sei se vou alguma vez voltar a ver aquela pessoa, a sentir o cheiro daquele sítio. Então, neste momento esta personagem - “Joana” - vive através de mim, eu sou o seu corpo emprestado. Até que há-de ganhar vida autónoma no papel e se separará de mim.
O que espera levar para Portugal, dessa experiência no Brasil?
Isabel Milhanas Machado - É até emocionante pensar que daqui a uns dias vou abandonar esta cidade. Levo muitos conhecimentos novos, pessoas, livros, autores, os professores, os alunos que conheci. Todas as noites quando regresso do jantar passo naquela ponte junto dos quiosques e decoro aquele cheiro, tal como os pássaros da manhã na rua onde estou. Tenho a certeza que uma parte de mim - a “Joana” - viverá nesta cidade anos maravilhosos e que de vez em quando me irá visitar, num sonho ou num cheiro repetido.