André Saburó: um sucesso nacional
Na série de entrevistas, que vai ao ar toda segunda-feira, a coluna João Alberto busca valorizar trajetórias de talento e inspiração

Por Julliana Brito
André Saburó herdou dos seus pais, os japoneses Tomiko e Júlio, o amor pela cozinha. Ele é o atual gestor e sushiman do “Quina do Futuro”, “Sushi Yoshi”, “Sumô Sushi Bar” e “Tokyo's Café”. Desenvolveu o amor pela culinária e foi nela que aprendeu sobre respeito, conhecimento e afeto pela cozinha japonesa. Com sua precisão e delicadeza, vem se destacando no cenário nacional e internacional. Tem colecionado prêmios e seus restaurantes são destaque em todos os rankings dos melhores japoneses do Brasil.
Como sua família chegou ao Brasil?
Sou recifense, mas meus pais são de Nagasaki, no Japão. A família do meu pai, Shigeru, veio para o Brasil quando ele tinha 18 anos, depois do pós-guerra, para reconstruir a vida. Meu pai e meu tio, Sayoshi, foram para São Paulo, e começaram a trabalhar no Ceasa. Meus avós vieram para Recife, porque aqui havia uma empresa contratando pessoas que sabiam trabalhar com barco. Meu avô, durante a guerra, era da marinha japonesa e sabia trabalhar com pesca. Em 1958, meu pai veio com meu tio para Recife e, como durante a temporada em São Paulo, ele havia aprendido a fazer pastéis com a família Yokoyama, e abriu uma pastelaria, no edifício Pirapama, na Boa Vista.
Seu pai sempre trabalhou no ramo da alimentação?
Sim, com pastelaria. Depois, conheceu o sistema “self service” e fundou o primeiro aqui em Recife, chamado “Tokyo's’, e foi um sucesso. Depois abriu o restaurante “Le Buffet”, na Rua do Hospício, com perfil mais chique. Nos meados dos anos 1980 o centro do Recife entrou em decadência e os estabelecimentos do meu pai faliram. Então, ele foi pra São Paulo junto com meu irmão mais velho, Taró, e passaram seis meses tendo um treinamento de comida japonesa. Quando voltaram, meu pai decidiu fazer, no térreo da nossa casa, o Quina do Futuro, em 1986.
Tem alguma memória afetiva daquele momento?
Quando o Quina inaugurou, eu tinha 9 anos. Lembro de muitas coisas: meu pai mexendo cimento, eu indo com ele comprar madeira. Recordo do meu pai fazendo a placa de madeira com o nome do Quina do Futuro, cortando com a serra, pintando letra por letra. Na época, tudo era festa pra mim, muito lúdico e divertido.
Como foi a experiência de morar fora?
Quando eu tinha 15 anos, meu pai decidiu enviar os filhos para fora do país, porque nessa época teve um surto de cólera no Brasil. Com isso, o governo pediu que a população não consumisse frutos do mar. Só frito, só assado, mas cru de jeito nenhum. Aí ninguém queria mais consumir de forma alguma. Fui pros Estados Unidos estudar. Quando terminei o colégio, vim passar 15 dias no Brasil — e desisti de voltar.
Algo te influenciou a isso?
Teve uma cadeira de culinária doméstica. Tomei gosto e comecei a cozinhar, fui aprimorando. Depois de muita conversa, meu pai me deixou trabalhar com ele e disse: “Você quer trabalhar aqui, né? Então, pega ali um bibico (um chapeuzinho branco e um avental de napa) e vai para a pia. É a única vaga que eu tenho.” A gente discutiu, fiquei indignado por ter voltado pra ficar na pia.
Como fez para crescer?
Fui auxiliar de cozinha quente. Depois, fui auxiliar de garçom — e foi muito bom, você aprende tudo sobre a experiência do cliente. Ainda em 1997, o meu tio Massaiochi abriu o “Sushi Yoshi” em Boa Viagem, e meu pai mandou eu trabalhar lá sem ganhar nada a mais, porque, pra ele, o pagamento já era o conhecimento que estava sendo passado para mim.
Sua experiência no Boa Lembrança?
Entre 2003 e 2004, a cozinha japonesa já estava famosa, e a questão da alta gastronomia começou a se difundir no Brasil. Lembro que a gente entrou no “Prato da Boa Lembrança”, uma associação nacional. Depois, fui diretor de área, financeiro. Em 2010, me tornei presidente. De 2004 até 2016, ficamos no Boa Lembrança. É um legado que permanece até hoje.
A ampliação dos seus restaurantes.
Depois do Quina do Futuro, houve um movimento da turma mais jovem consumindo comida japonesa. Foi quando eu abri o “Sumô”, há 20 anos, em formato de “sushi bar”. Depois, assumi o “Sushi Yoshi” e abri o “Tokyo’s Café”, há 12 anos, porque sempre escutei meus familiares e amigos falarem da pastelaria do meu pai, e quis reviver o espaço em formato de cafeteria para homenagá-lo.
Sua esposa é da mesma área?
Minha esposa é engenheira de pesca. O apelido da gente, quando ela era minha namorada, era “pesque pague”. Porque a pesca era ela e o pague era comigo. Quando a gente casou, em 2007, minha mãe chamou ela para aprender e atuar na parte financeira. Elas trabalham até hoje tomam conta do dinheiro.
Continua indo ao Japão?
Sim, para ver como está o mercado japonês e voltar para cá para implantar alguma diretriz nova: a forma de servir, de apresentar, de decorar o restaurante, a tonalidade das cores e tudo.
Tem quantos funcionários?
No grupo que comanda os quatro restaurantes, são mais de 100.
Você que apelidou o sushi “Carioca”?
Eu via muitos clientes comendo peixe cru e não gostando. Comecei a pesquisar alguma forma de fazer o cliente ir se acostumando com o sabor da comida japonesa. E, junto a isso, eu sempre oferecia pratos quentes. Um dia, fui ao supermercado mercado e encontrei um pacote de “cream cheese”, que era comum apenas nos Estados Unidos, e trouxe pra comer em casa. Só que, na semana anterior, encontrei um grupo do Rio de Janeiro. Nesse grupo tinha uma mulher que falou que já foi casada com um sushiman, mas que não comia peixe cru. Fiquei curioso e perguntei como ela fazia pra comer, e ela explicou que ele trazia o rolo de tekamaki inteiro, fritava para cozinhar o peixe no meio, cortava e comia. Comecei a fazer no restaurante e a oferecer como cortesia, para ver se os clientes gostavam. Os garçons pediram para dar um nome ao sushi frito, para cadastrar no sistema. E aí eu apelidei assim, porque foi uma carioca que deu essa luz.
Como a cozinha japonesa se firmou em Pernambuco?
Passou por vários movimentos. Uma fase contemporânea, com um sushi bem misturado, com criatividade excessiva. Depois, em 2010, houve um movimento de volta às origens. E pra gente foi ótimo, porque sempre seguimos o movimento tradicional. Assim, a comida japonesa parou de ser moda e se tornou um estilo de vida, parte do dia a dia.
Existe o avanço da tecnologia na gastronomia?
Hoje em dia, há uma velocidade muito grande na informação. Então, você consegue acompanhar o mercado mundial através dos cliques do celular. Antigamente, a gente tinha que comprar uma revista de alta gastronomia no Japão para poder ver algumas técnicas. Eu tenho algumas até hoje, que mostram receita passo a passo com fotos — e que hoje em dia mudaram completamente.
Sentimento pela cozinha e sua atuação hoje no restaurante?
Quando você faz o que gosta, realmente não cansa. Pra mim, não é um peso estar no restaurante. Hoje, participo mais da parte operacional e da produção geral. Na cozinha, gosto de abrir peixe, sempre testando a qualidade do produto, do alimento. Além disso, treino todos os sushimans.
Qual o maior desafio de lidar com as comidas cruas?
A gente compra o produto cru e vende ele cru. Então, é uma responsabilidade enorme, do recebimento até de onde vem o produto. Eu costumo ir até o local onde é produzido, ver de onde vem. Porque, quando chega aqui, a gente tem a obrigação de manter a qualidade. Então, tentamos trazer o máximo de tecnologia que existe no mercado para manter essa higienização perfeita.
Seus filhos já demonstraram interesse em seguir na área?
Os dois. Eu cresci com meus pais sem me pressionar para uma carreira — na verdade, ao inverso, não queriam que eu me tornasse cozinheiro. Mas não teve jeito. E eu decidi isso sem saber como era o trabalho na prática. Hoje em dia, com internet, meu filho me acompanha no Instagram, vê os prêmios, festas, jantaresAacaba me vendo como exemplo. O meu filho mais velho já gosta de cozinhar, então em casa ele me ajuda. Já o mais novo, por ter muita habilidade manual, vive assistindo programa de confeitaria — e já disse que vai seguir essa carreira.
Qual a sensação de trabalhar onde já foi sua casa?
A “Quina do Futuro”, por ser o restaurante mais antigo, com 38 anos, tem muita história. Hoje tem a terceira geração vindo pra cá. Eu acho muito legal isso: um restaurante que frequentava com seus pais e que hoje você vem com seus filhos e senta na mesma mesa. Ele tem muitas memórias afetivas — e até para reformar, tem alguns lugares que a gente não muda muito, sem tirar a estética principal.
RAIO X
- Time: Náutico
- Restaurante: Ponte Nova, Pomodoro Café, Parraxaxá e Chicama
- Comida: Brasileira. Gosto muito dos guisados
- Filme: “Band of Brothers”
- Música: “Una Mattina”, de Ludovico Einaudi
- Cantor: Andrea Bocelli
- Livro: “Cozinha Confidencial”, de Anthony Bourdain
- Lugar bonito: As 99 ilhas Kujukushima, na cidade natal dos meus pais, Sasebo, em Nagasaki, no Japão
- Hobby: Corrida e aquarismo