Competência, delicadeza e a justiça de Joana Lins
Na série de entrevistas, que vai ao ar toda segunda-feira, a coluna João Alberto busca valorizar trajetórias de talento no nosso estado

Por Julliana Brito
A desembargadora federal Joana Carolina Lins Pereira, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, fez e ainda faz história. Ela é a primeira mulher da Justiça Federal nomeada desembargadora do TRF5 pelo critério de merecimento. Formou-se em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e se tornou Mestre em Direito Público pela mesma instituição. Antes de ser nomeada desembargadora, era coordenadora do Centro de Inteligência da Justiça Federal em Pernambuco.
Como foi a escolha pelo Direito?
Eu havia acabado de retornar de um programa de intercâmbio no exterior e estava bastante indecisa. Tive que resolver em apenas duas semanas. Preferi optar por Direito porque sempre gostei de ler e de escrever e sabia que a atuação na área jurídica envolveria muita leitura e muita argumentação.
Sempre quis ser desembargadora?
Não imaginava que chegaria aqui. Meu primeiro cargo público, aos 20 anos, foi como auxiliar judiciária concursada de um desembargador federal, no mesmo tribunal onde hoje atuo. Era um cargo de nível médio, mas o aprendizado foi enorme. Eu me dividia entre as aulas na faculdade e o trabalho no tribunal, mas um complementava o outro, porque à teoria se somava a prática. A posição de desembargadora parecia algo inatingível. O tribunal só tinha desembargadores homens na época e era tudo muito formal.
Como sua carreira evoluiu até o cargo de desembargadora?
Graduada e no cargo de auxiliar judiciária, comecei a fazer outros concursos para nível superior. Exerci, assim, os cargos de procuradora do INSS, advogada da União e procuradora da Fazenda Nacional, até passar no concurso para juiz federal, que era meu grande objetivo. A Justiça Federal julga as causas que envolvem o Governo Federal ou algum ente federal, a variedade de temas é enorme, compreendendo, entre outras, discussões de natureza fiscal (sobre impostos, taxas e contribuições federais), administrativa (como contratos envolvendo o Poder Público e licitações), ambientais, criminais (como sobre tráfico internacional de entorpecentes) e mesmo de natureza bancária, tendo em vista que julgamos todos os processos que envolvem a Caixa Econômica.
Qual a sensação de ser nomeada desembargadora do TRF5 ?
Nosso tribunal cobre seis estados (do Ceará a Sergipe), e temos muitos juízes valorosos que poderiam ser desembargadores. Quando eu assumi, um colega juiz me disse: “Joana, você nos representa”. Aquilo me encheu de orgulho, porque senti que, realmente, estava sendo promovida em virtude do meu esforço, de minha dedicação e compromisso com a Justiça. Eu amo o meu trabalho e sempre procurei dar o melhor de mim, à custa até de muitos sacrifícios pessoais. O tribunal, para me promover, avaliou a minha trajetória e todo o meu histórico de serviços prestados. Ser a primeira juíza federal de carreira promovida por merecimento, na 5ª Região da Justiça Federal, enche-me de satisfação.
E isso abriu portas para outras mulheres também?
Hoje somos três desembargadoras mulheres e temos sempre a consciência e a preocupação de que precisamos abrir os caminhos para que outras colegas também possam alcançar essa posição. Nosso tribunal passou sete anos sem nenhuma desembargadora mulher. Como julgamos em formato de colegiado, a pluralidade é importante para garantir a existência de diferentes pontos de vista.
Como faz para conciliar o trabalho com a maternidade?
Hoje meus três filhos já são grandes e independentes. Henrique, o mais velho, tem 20 anos; e César e Alice, gêmeos, estão com 18. Quando eram pequenos, sofri bastante, pois sou uma “workaholic” assumida e, ao mesmo tempo, queria viver intensamente a maternidade. Consegui encontrar um ponto de equilíbrio e, quando estava em casa, procurava sempre dar aos meus filhos atenção integral. Meu trabalho não foi comprometido, mas reconheço que alguns projetos paralelos, sobretudo na área acadêmica, tiveram que ser adiados. Quando independentes, passei a ter mais tempo livre para me dedicar a esses projetos, e pude criá-los e curtir o seu desenvolvimento. Esse tempo não volta. Meu marido, Fernando, é um pai maravilhoso e sempre me ajudou a educar nossos filhos, sobretudo a valorizarem o que realmente importa. Temos muita consciência de que educamos mais através dos exemplos do que através de palavras.
Você é filha do grande Tarcísio Pereira. Como era a relação com ele?
Meu pai era muito especial. A livraria Livro 7, que funcionou de 1970 até o ano 2000, foi um marco na história cultural da cidade. Além de local para lançamentos de livros, era um ponto de encontro para discussões literárias, políticas e filosóficas. Ele era também uma pessoa extremamente generosa e que gostava de cultivar muitas amizades. Sofreu muito quando precisou fechar a livraria, que tentou salvar a todo custo, sem reclamar. Em determinado momento, perdeu a visão do olho direito e não conseguiu mais recuperá-la. Entretanto, nunca o ouvi em lamúrias. Dizia que a mancha era azul, de sua cor preferida. Ele era inigualável...
O que leva do legado do seu pai?
O amor aos livros e ao trabalho, além do espírito conciliatório. Não gosto de me indispor com as pessoas. Sou pacifista e procuro fazer sempre a “política da boa vizinhança”. Quanto aos livros, lembro-me muito de uma frase de Ruth Bader Ginsburg, célebre ministra da Suprema Corte Americana (já falecida). Ruth dizia: “a leitura moldou meus sonhos, e mais leitura me ajudou a tornar meus sonhos realidade”. É o que aconteceu comigo: com os livros sonhei alto e também com eles consegui atingir meus objetivos. Em verdade, toda a minha família tinha essa relação forte com os livros. Minha mãe, Letícia, é jornalista (aliás, sempre foi para mim um exemplo de profissional), e seu pai (meu avô), Osman Lins, era escritor. Foi autor de diversas obras, entre as quais “Lisbela e o Prisioneiro”, que foi adaptada para o cinema, num filme que fez muito sucesso e é divertidíssimo.
O mais desafiador em ser mulher no meio jurídico?
As mulheres já são maioria nos cursos jurídicos há algum tempo, mas ainda têm muita dificuldade em galgar posições mais altas na hierarquia das instituições. Isso é bastante visível no Poder Judiciário. O nosso Supremo Tribunal Federal reflete bem isso, pois conta com apenas uma ministra
Sua opinião sobre o cenário atual do Direito no Brasil?
A quantidade de processos é avassaladora. O Poder Judiciário é geralmente tachado como moroso e burocrático, mas é preciso que a sociedade perceba o que acontece aqui dentro. Eu trabalho nos três expedientes todos os dias, além dos fins de semana e feriados. Tenho inúmeros colegas que trabalham também com grande dedicação. Penso que não se pode fazer afirmações generalizadas. Há muita coisa boa acontecendo. Com a ajuda da tecnologia e, sobretudo, de medidas inovadoras e mudanças de paradigmas, estamos mudando a cara do Poder Judiciário e tentando aproximá-lo mais das expectativas da sociedade. Sempre digo à minha equipe que precisamos nos esforçar para prestar o melhor serviço. O cidadão pode até sair insatisfeito com a decisão judicial, quando desfavorável a seus interesses, mas ele não pode sair reclamando da qualidade do serviço que prestamos.
Como é estar numa corte comporta na maioria por homens?
Felizmente, hoje somos três desembargadoras. Germana Moraes, do Ceará, e Cibele Benevides, do Rio Grande do Norte, me fazem companhia. Ao chegar ao tribunal, já conhecia bem os desembargadores e tive uma excelente acolhida. Temos um ambiente de profundo respeito e coleguismo. Não tenho absolutamente nenhuma queixa.
A relação com os advogados?
Também muito respeitosa. Atendo todos, seja presencialmente, seja por videoconferência. Como o tribunal é regional, recebemos muitos advogados de outros estados. Os atendimentos ocorrem sempre na maior cordialidade. Faço questão disso.
Qual dica ou incentivo você daria para as mulheres que seguem ou querem seguir a mesma carreira?
Estudar muito é essencial. É necessário ter disciplina e foco. Eu diria que discrição também é importante para a magistratura. É preciso um certo comedimento. Isso vale para homens e mulheres. Para as mulheres, em especial, eu diria que não se intimidem. Haverá muitas ocasiões em que estarão em ambientes masculinos. Preparem-se bem, estudem o material disponível para chegarem com segurança e fazerem bonito.
RAIO X
Time de futebol: Sport. Era o time do meu pai e, felizmente, de meu esposo também.
Hobby: Ler, estudar línguas, viajar e fazer exercícios físicos, mas o melhor de tudo, sem dúvida, é estar com a família. Esse momento é sagrado.
Comida favorita: Frutos do Mar
Restaurante: O Recife é muito bem servida de restaurantes, mas o meu preferido está em Olinda: é o Oficina do Sabor.
Cantor: Tom Jobim e Nat King Cole. Inesquecíveis.
Lugar favorito: No Brasil, amei Paraty. É um lugar que reúne arte, história e natureza juntas. No exterior, adorei o Canadá. É um país onde as pessoas têm muito respeito pela individualidade e privacidade das outras, sem julgamentos. É um ambiente de muita civilidade e extremamente tranquilo.