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Fernando Castilho: Vaticano gasta muito com estrutura e resiste em barrar opulência dos bispos

Francisco dedicou seu pontificado a cortar despesas e limpar o balanço do seu banco, mas instituição está no vermelho e resiste a fazer empréstimos

Por Fernando Castilho Publicado em 21/04/2025 às 19:25 | Atualizado em 21/04/2025 às 20:29

Jorge Mário Bergoglio foi escolhido Papa em 13 de março de 2013 e, em menos de um ano, criou e estruturou uma Secretaria de Economia e um Conselho para a Economia – com a missão de administrar, de modo “firme e prudente”, as finanças da Santa Sé depois dos graves escândalos que marcaram a renúncia de Bento XVI.

Fosse no Brasil, era o mesmo que ele mandar fazer uma liquidação extrajudicial nas contas do Banco do Vaticano. Ou avisar que estava abrindo o sigilo bancário das contas de milhares de pessoas que no Brasil seriam laranjas de cardeais.

O primeiro inimigo de Francisco

Pouca gente lembra, mas o primeiro embate que Francisco pegou não foi com os rituais modernos que escandalizavam os ultraconservadores. O papa enfrentou o primeiro embate quando mandou chamar uma equipe de auditores externos para ler as contas do banco que, em tese, assinava os balanços.

Quando o papa escolheu pessoalmente sete laicos de vários países com experiência em administração e finanças, o bicho pegou.

Ele chamou o cardeal australiano George Pell, prefeito da secretaria de Economia da Santa Sé, que, com ordem do próprio papa, revelou que “descobrimos que as contas estão muito mais saudáveis do que pareciam, porque algumas centenas de milhões de euros tinham sido escondidos em contas particulares que não apareciam no balanço”.

Ele se referia às 3.000 contas de pessoas que não estavam nesse mundo de Deus.

Caçando centenas de milhões escondidos

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cardeal australiano George Pell, prefeito da secretaria de Economia da Santa Sé. - Divulgação

O jesuíta Francisco, um papa contador

Numa situação normal era para chamar a Polícia Federal da Itália ou a Interpol. Mas George Pell não queria apenas denunciar os donos das contas, Queria limpar os balanços que não passariam por qualquer escrutínio segundo os acordos de Basileia.

O jesuíta Francisco, é um homem de livros. O que inclui também livros de contabilidade há mais de 500 anos da sua congregação de gastos espartanos.

E já avisara que o IOR (o nome oficial do Banco do Vaticano é Instituto para as Obras de Religião) não só tinha de se adequar aos requisitos internacionais de transparência como focar sua atividade no sentido da diretriz de seu pontificado: “Uma Igreja pobre e para os pobres.”

A resistência silenciosa (nem tão silenciosa)

O cardeal australiano já sabia do escândalo da magnitude do Vatileaks quando o mordomo Paolo Gabriele, que tinha acesso durante anos a informações importantes, decidiu jogar tudo no ventilador.

Ele tratou de chamar o feito à ordem. Até porque sabia que as contas do Vaticano tinham 24 milhões de déficit. Fazia anos que o IOR estava no redesconto pagando taxas altas apesar de toda sua opulência.

Isso revela que Francisco assumiu focado na missão de dar uma geral nas contas do IOR. E assumiu em março de 2013 e as ordens papais assinadas para a limpeza no banco foram emitidas já em agosto e novembro de 2013, introduzindo “uma ampla e articulada estrutura legal e institucional” com o objetivo de “regular as atividades financeiras da Santa Sede e do Vaticano”.

A investigação prosseguiu junto com a limpeza e, no dia 20 de janeiro de 2017, pela primeira vez na história, os procuradores de Roma pediram a prisão de executivos do IOR – o ex-diretor-executivo Paolo Cipriani e o ex-vice-diretor Massimo Tulli, por lavagem de dinheiro realizada através de contas correntes do Banco de Deus.

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Papa Francisco trabalhava na melhoriaidas finanças do Vaticano - Divulgação

O IOR tem ativos estimados em de 5 a 6 bilhões de euros. A única sede do banco está localizada na torre medieval “Nicolau V", a poucos metros da Basílica de São Pedro, dentro do território da Cidade do Vaticano, daí a sua capacidade de resistência dos cardeais. Tecnicamente, ele é imune de qualquer investigação das autoridades italianas, pois a jurisdição exclusiva é do governo vaticano.

O desafio final

Francisco avançou, fez uma limpeza, mas não organizou a caixa. Antes de ser hospitalizado em fevereiro em decorrência de uma pneumonia dupla, o papa Francisco estava lutando contra a firme resistência de alguns de seus próprios cardeais sobre como tapar uma lacuna crescente nas finanças do Vaticano.

Ele ordenou a criação de uma nova comissão de alto nível para encorajar doações à sede da Igreja Católica. os chefes de departamento do Vaticano, incluindo cardeais seniores, argumentaram contra os cortes e contra o desejo do papa argentino de buscar financiamento externo para consertar o déficit, relataram duas autoridades à Reuters.

Desde que assumiu, Francisco vinha tentando consertar o orçamento do Vaticano. Cortou salários dos cardeais três vezes desde 2012 e em setembro pediu um orçamento com déficit zero para 2025. Mas cortar as mordomias e os custos do Vaticano não é simples. O Vaticano não cogita desmobilizar patrimônio,

O Vaticano não publicou o relatório orçamentário completo em 2023. E o último conjunto de contas, aprovado em meados de 2024, incluiu um déficit de 83 milhões de euros (US$ 87 milhões).

O legado Inacabado

A morte de Francisco deixa um desafio adicional ao novo papa: arranjar recursos e ajustar as contas. O problema é que os cardeais e a burocracia vaticana nem aceitam reduzir despesas, desmobilizar patrimônio nem tomar dinheiro emprestado já que teriam que oferecer garantias.

Um sacrilégio para os cardeais que moram em palácios de Roma e que sempre venderam a ideia de uma igreja rica cujas receitas aguentavam o desafio de gastar mais do que arrecada. Tudo aquilo que Francisco fez questão de desfazer.

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