Transnordestina em Pernambuco enfim terá primeiros editais para chegar a Suape em 2029
Presidente da Infra S.A. acredita que até o final do ano deve lançar os editais para obras de dois dos seis trechos da ferrovia para o porto de Suape

Numa fala de apenas seis minutos com oito imagens, o presidente da Infra S.A, Jorge Bastos, encheu de expectativas empresários, políticos e pesquisadores da área desenvolvimento econômico de Pernambuco ao informar que espera publicar, no segundo semestre deste ano, os editais dos dois primeiros lotes do ramal da ferrovia Transnordestina que corta o Estado em direção ao porto de Suape.
A revelação ocorreu durante o lançamento, pela Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe), do Fórum Permanente da Infraestrutura, esta segunda-feira (31), na Casa da Indústria, no Recife.
A empresa Infra S.A é originada a partir da incorporação da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) pela Valec - Engenharia, Construções e Ferrovias.
Bastos admitiu que não tem como gastar os R$ 450 milhões alocados no Orçamento Geral da União de 2025 para a obras dentro do orçamento do Novo PAC. Mas esclareceu que o que não for gasto ficará na rubrica restos a pagar em 2026, já que dentro do Ministério dos Transportes a obra tem prioridade.
Isso foi determinado pelo presidente Lula (PT) em garantia à governadora Raquel Lyra (PSD) e à bancada de Pernambuco em 2023, após mobilização liderada por Raquel quando da exclusão do trecho em aditivo assinado pelo DNIT na semana do Natal de 2022, sem a presença de representantes do governo de Pernambuco.
Nesta segunda-feira, ao comemorar o possível lançamento dos dois editais, a governadora Raquel Lyra lembrou, de passagem, a dificuldade que o gesto do governo Bolsonaro (PL) trouxe a Pernambuco. Mas disse que o fato concreto é que, com o projeto, vem o edital; com o edital, vem a ordem de serviço; e que, com ela, vem o começo da obra. O que faz a luta do Estado mudar de patamar e mirar verbas para sua conclusão em 2029.
Mas, como admitiu Jorge Bastos, há um longo caminho a percorrer. O lançamento de apenas dois trechos, os lotes 05 e 07 (ambos com 53 quilômetros), deve-se ao fato de os dois já estarem de posse da empresa e com as informações básicas. Enquanto os lotes 04 (com 73 quilômetros) e 06 (com 44) ainda precisam de ações, passando por pesquisa a atualizações para finalização dos editais.
Os lotes 04 e 05 estão como percentuais de obras de 37% e 24% feitos pela antiga concessionária Transnordestina S.A. Já os lotes 06 e 07 devem começar obras do zero, já que o seu traçado foi apenas definido e demarcado. Os lotes que receberão obras estão entre as cidades de Custódia e Pesqueira, passando por Arcoverde. Os lotes 06 e 07 vão de Pesqueira a Belém de Maria, passando por Cachoeirinha.
O presidente da Infra S.A. fez à governadora Raquel Lyra um pedido especial e estratégico: ação firme na concessão das licenças ambientais para os dois trechos que levam ao porto de Suape.
Esse é hoje o principal entrave para a Infra S.A, que contratou o Consórcio Estratégica-Prosul, composto pelas empresas Estratégica Engenharia Ltda e Prosul – Projetos, Supervisão e Planejamento Ltda -, para fazer os estudos básico e executivo pelo valor de R$ 15.217.431,06. Isso porque o governo do Estado ainda não definiu, efetivamente, o traçado.
Presente na solenidade, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Guilherme Cavalcanti, revelou que três secretarias estão trabalhando no problema de modo a entregar às consultorias os dados para que ela possa trabalhar.
Esse talvez seja, de fato, o maior problema para o projeto, pois ele será a entrada da ferrovia no complexo portuário. E ele passa por áreas onde também estão barragens que o governo de Pernambuco está construindo e precisará passar ao largo de cidades da Zona da Mata.
Mas, por enquanto, as preocupações do presidente da Infra S.A são em poder liberar os dois primeiros editais, se possível, até setembro. E poder dar a ordem de serviço deles e até final do ano, os dois lotes em que a consultoria já trabalhou. Jorge Bastos reconheceu que anos sem obras permitiram ocupações na linha do traçado. E há necessidade de rever todas as licenças ambientais.
De qualquer forma, o anúncio formal do lançamento dos dois primeiros lotes da ferrovia Transnordestina em Pernambuco trouxe um momento de esperança para os empresários.
Os deputados presentes lembraram o dano histórico causado ao Estado por um projeto que foi lançado há 20 anos e que até hoje não saiu do papel, como o deputado Mendonça Filho (UB-PE).
O Nordeste perdeu e vai continuar perdendo, até mesmo quando o incentivo fiscal de 75% de abatimento para as empresas instaladas na Região. O argumento de Augusto Coutinho (Republicanos) lembrou o esforço da bancada de recolocar o trecho de Pernambuco no projeto da ferrovia.
O ex-senador e ex-presidente da CNI Armando Monteiro Neto (Podemos) foi mais incisivo ao fazer uma autocrítica da atuação da bancada do Estado no Congresso, incluindo-se naquilo que chamou de “dispersão” no acompanhamento do projeto ao longo de duas décadas.
Ele lembrou que, no ano passado, o Brasil só conseguiu (em âmbito nacional) investir pouco mais de R$ 60 bilhões em infraestrutura, quando deveria ter investido R$ 200 bilhões.
A autocrítica de Armando Neto faz sentido. De fato, ao contrário do Ceará e do Piauí - cujas bancadas atuaram juntas para que o projeto se viabilizasse na direção de Pecém -, os parlamentares de Pernambuco apenas se reuniram quando o aditivo que excluiu Pernambuco estava assinado e a governadora pediu ajuda para uma articulação política.
De qualquer forma, o encontro liderado pelo presidente da Fiepe, Bruno Veloso, com o presidente Jorge Bastos marca um momento de inflexão do projeto, que, em 20 anos, ainda não transportava uma tonelada de carga além dos próprios trilhos e dormentes.
A obra já consumiu R$ 15 bilhões - a maior parte vinda do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) via Sudene - e vai precisar de pelo menos mais R$ 3,6 bilhões no trecho que a levará a Suape, num horizonte de 2029, quando permitirá que a União abra nova licitação para concessão de uma nova operadora.
Fiepe levou estudo sobre ferrovia
Para embasar a conversa sobre a Transnordestina, a Fiepe encomendou ao Observatório da Indústria de Pernambuco, uma instituição que está veiculada ao projeto Senai Inovação e Tecnologia, um estudo com a professora Fátima Brayner sobre o impacto da ferrovia para Pernambuco e estados vizinhos e possíveis reflexos nas suas cadeias produtivas.
E o que a professora entregou ao analisar dados secundários sobre a Economia é que a obra deve impactar nas cadeias do polo gesseiro no Araripe, da fruticultura no Vale do São Francisco, de avicultura e no de refino de petróleo. E chamou a atenção para o problema da importação de grãos da Espanha, que em 15 anos passou de quase zero para 600 mil toneladas com gesso embarcado em produtos cartonados.
Impacto regional da ferrovia
Segundo Brayner, atualmente Pernambuco, Alagoas e Paraíba têm uma participação de 28,9% no volume de produção da hortifruticultura na região Nordeste, chegando a 6,7% da produção nacional. E poderiam ser beneficiados com a ferrovia.
O traçado seria estratégico para o setor de baterias e armazenamento de energia a partir do avanço de sistemas de armazenamento de energia (battery energy storage system, ou bess) de fontes renováveis. A produção de Belo Jardim demandará maior capacidade de logística para atender as estratégias de descarbonização.
Destino Matopiba
Para a professora, no caso dos grãos do Matopiba (acrônimo formado pelas siglas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), existe um cenário promissor para captação de cargas de grãos, caracterizado pela produção crescente especialmente de soja, milho e algodão.
Mas a pesquisadora preferiu focar sua fala no mercado de frete de retorno relacionado a avicultura e ração, derivados de petróleo produzidos em Suape pela Rnest e o mercado de insumos agrícolas.
No caso da avicultura, isso ocorre porque, entre 2013 e 2023, o plantel de aves cresceu 8,4% ao ano, enquanto o estoque de codornas abrigado avança 12,5% anualmente desde 2018.
Eficiência do transporte
Brayner destacou que a questão da eficiência do transporte ferroviário é evidente, não apenas em termos de redução de emissões, mas também em sua capacidade de carga.
Um vagão graneleiro modelo HPT, por exemplo, pode transportar aproximadamente 100 toneladas, o equivalente a cerca de três caminhões graneleiros. Ou seja: um trem com 120 vagões pode transportar o equivalente a cerca de 370 caminhões.
E finalizou sua apresentação destacando que, do ponto de vista socioeconômico, o impacto da ferrovia vai da integração regional ao fortalecimento de cadeias produtivas e construção de um ambiente de negócios para interiorização da indústria no estado de Pernambuco.
Enquanto que, do ponto de vista econômico, o impacto em novos mercados e novos negócios levaria ao crescimento de novos setores, acesso a novos mercados e integração de Suape com outros portos.
Derramam o gás
No meio do debate sobre competitividade, a CNI divulgou um estudo que mostra a dificuldade da indústria no Brasil de se inserir globalmente. Segundo a entidade, apesar do marco legal, a tarifa cobrada pelo gás natural no Brasil continua sendo uma das mais altas do mundo, o que representa um obstáculo à competitividade nacional.
Passados quatro anos da promulgação da lei e na contramão das previsões, o consumo de gás natural no setor industrial, responsável por cerca de 60% do total consumido no país, está estagnado há mais de uma década. Isso ocorre, especialmente, porque os preços do insumo no mercado nacional estão entre os mais elevados do mundo.
Segundo levantamento da CNI, no Brasil, o gás natural chega às indústrias por US$ 20 por milhão de BTUs, em média. Nos Estados Unidos, a molécula do gás custa cerca de US$ 2 por milhão de BTUs, e é o dobro do mercado europeu de US$ 10 por milhão de BTUs.