Vilaça encontrou uma comida azul
Escritor e intelectual foi percussor de mudanças no modelo de gestão da Caixa e no Tribunal de Contas da União do qual foi ministro e presidente.

Marcos Vinicios Vilaça, que nos deixou na manhã deste sábado (29) era, certamente, um dos integrantes de melhor prosa falada da Academia Brasileira de Letras. Ou, como costuma-se dizer em Pernambuco, um grande contador de causos.
O mais interessante nessa sua verve de contista oral era o jeito com que aprentava as histórias que ouvira ao longo da vida, parte delas presentes na sua obra literária.
As pessoas se acostumaram a ouvir as histórias de Vilaça como um articulador habilidoso que com sua capacidade argumentativa que sempre resolvia as coisa de um jeito republicano fazendo o certo na hora certa.
Ele construiu uma carreira de sucesso quando atuou na Caixa Econômica onde foi diretor e, às vezes, se esquece de sua atuação como secretário de cultura no Ministério da Educação e Cultura. Ou pelo seu trabalho em importantes fundações, como a Funarte e o Pró-Memória.
Mas poucos sabem de seu discreto trabalho de articulador no Tribunal de Contas da União onde foi presidente e conseguiu desfazer a imagem de um órgão carimbador de notas de empenho para ser tornar um ator importante na gestão da máquina pública brasileira incentivando a melhoria de processo que levaram ao TCE e, por consequência, os TCEs a estarem mais equipados para cuidar do dinheiro com contribuinte de forma mais rigorosa.
Vilaça também era um bom garfo e amante da boa cozinha pernambucana tendo levado para os chás da ABL o nosso querido Bolo de Rolo que passou a ser disputado e virou um padrão de cortesia dos pernambucanos naquela casa e noutros gabinetes.
O bolo do rolo da Casa dos Frios, feito ainda por dona Fernanda Dias, virou uma marca de Vilaça hoje seguida por outros pernambucanos nas tardes de conversa na ABL. Que o diga o escritor José Paulo Cavalcanti Filho que sempre embarca com uma porção da iguaria quando vai ao Rio de Janeiro para as reuniões da Academia.
Certa vez, numa de suas conversas com o jornalista e amigo pessoal, Fernando Menezes - que durante mais de 30 anos assumiu a coluna de esporte do JC -envolveu-se numa pendenga quando Menezes disse que não existia comida azul.
- Fernando, você não pode dizer isso com tanta certeza.
- Não conheço e nunca vi nenhuma comida azul. Você que viaja mais do que eu, então me mostre no dia que achar uma. Mas eu digo que não existe comida azul.
Vilaça riu, continuou a prosear com o amigo jornalista, mas aceitou o desafio. E como era mesmo um viajante contumaz sempre que estava num novo país perguntava ao mestre, ou dono de um restaurante raiz, se no cardápio tinha alguma comida azul.
Os anos se passaram, vários países visitados até que, na Malásia achou o que procurava depois de anos.
Um prato vindo dos estados da costa leste da Malásia, Terengganu e Kelantan, comumente apreciado pelos moradores desses estados no café da manhã ou almoço, e que tem ingredientes como peixe, frango e arroz azul que representa o estilo de vida costeiro dos estados. O prato chama-se Nasi Dagang.
É uma combinação de arroz glutinoso e arroz comum cozido em leite de coco com sementes de feno-grego e chalotas, um acompanhamento de curry de peixe, ovos cozidos fatiados, vegetais em conserva, sambal e a adição de raspas de coco tostadas.
Mas o que faz o arroz ficar azul é a adição de flores de Clitoria ternatea (ervilha-borboleta) (bunga telang) que são usadas como corante alimentar natural. Algemas flores azuis adicionando alguns botões desta flor em uma panela se enquanto cozinha o arroz branco o transforma em azul.
Vilaça pediu, comeu e fotografou o prato anotando os ingredientes e informações sobre a ervilha-azul.
E mandou um telegrama definitivo a Menezes: Fernando, existe sim uma comida azul. Eu encontrei e a degustei na Malásia. Lhe mostro a foto quando chegar no Brasil.
Era o Marcos Vilaça. Puro, tão puro como uma boa cocada cremosa de sua Nazaré da Mata.