Escrito pelos bancos, programa de Lula para devedores considera dívida cheia que mercado já dá 90% de desconto
Desenrola corre o sério risco de transferir para os bancos aquilo que eles já provisionaram como prejuízo e até já se livraram da dívida vendendo as empresas de cobrança

Apresentado como uma solução para limpar o nome de, ao menos, 70 milhões de pessoas, o Programa Desenrola que deve ser lançado pelo presidente Lula parte do princípio de que, por iniciativa dos bancos, empresas e ação do governo seria possível repactuar essas dívidas. O objetivo é que dando um grande desconto o devedor pagaria seu débito em pequenas prestações com o governo bancando a conta se ele não pagar.
Pode ser. Mas a menos que todos estejam supondo que o Governo não sabe a realidade do mercado de negociação de títulos podres, o Desenrola corre o sério risco de transferir para os bancos aquilo que eles já provisionaram como prejuízo e até já se livraram da dívida vendendo as empresas de cobrança que não pagam mais que 5% do valor de face.
A ideia de criar condições de pagamento para as milhões de pessoas que estão com nome sujo no Serasa e SPC Brasil vai exigir soluções mais criativas e radicais.
Porque, hoje, qualquer pessoa que atender ao chamado de uma dessas empresas de renegociação pode ganhar um desconto de pelo menos 80% do valor de face do débito e pagar em prestações.
Isso quer dizer que o total da dívida dos brasileiros não é R$ 323 bilhões. Porque a própria Serasa ofereceu no seu último Feirão Limpa Nome descontos de até 99% (caso é Banco Itaú) ou 95% (caso da Claro) e dezenas de empresas dando pelos menos 80%. Isso é um dado real.
Tem mais: Normalmente, quando o devedor vai negociar, as chances de ele pagar - mesmo parcelado - um valor muito menor que o total do débito é muito grande.
Hoje, na média, os devedores brasileiros devem R$ 4.600,00. Mas na negociação, também a média, eles estão pagando apenas R$ 750. E ainda assim essa não é a regra geral.
O que acontece é que, a maioria das empresas quer receber apenas um valor simbólico para tirar milhões de clientes sua lista negra e voltar a vender a crédito a essas mesmas pessoas.
Além disso, duas grandes empresas que compram créditos podres como a Recovery e a Ativos S.A. chegam a dar até 99% de desconto.
Eles não fazem isso porque são entidades filantrópicas. Na verdade, hoje o número de famílias e pessoas está numa situação financeira tão difícil que nem um acordo elas podem fazer. Daí porque, em alguns casos, o acordo seja mais um gesto simbólico.
Isso parece não estar sendo considerado pelo governo no Desenrola. O governo aceitou a proposta dos bancos que defendem uma negociação pelas instituições levando em conta o valor de face e aí propor um acordo. E na propostas eles não falam que hoje já chegam a dar mais de 90% se o cliente fizer um acordo.
Então, não faz muito sentido falar em R$ 323 bilhões porque se é verdade que bancos e empresas estão dando até 90% o governo deveria partir de R$ 32,3 milhões e, a partir, daí pressionar os credores.
Segundo o Serasa o maior problema está no setor de Cartão de Crédito que detém 29,61% dos débitos. Em números absolutos, essa dívida seria de 95,66 bilhões sobre os R$ 323,2 bilhões.
Mas é exatamente nesse segmento que acontece um fenômeno interessante. Essa dívida já nem está mais com as administradoras de cartões e com os bancos.
Isso acontece porque, depois de dois anos carregando essa dívida, os bancos e administradoras de cartão de crédito tem que classificar isso como prejuízo total.
Eles fazem isso e vendem esses contratos para empresas como a Recovery e a Ativos S.A. que pagam, no máximo, 5% e vão atras dos devedores. Ou seja, o que conseguirem a cima de 5% já é lucro.
Não faz muito sentido o governo não começar sua conversa considerando a realidade do mercado. Ou seja, se o bancos já oferecem 90% de desconto o programa deve assegurar apenas os 10%.
Além disso, a grande maioria das contas está pelos chamados utilities que juntam as contas de água luz e gás que somam 21,50% do total. Diferentemente dos bancos as empresas continuam cobrando e tentando receber até porque são fornecedores contínuos não tem como comprara energia, gás e agua de outra empresa.
Finalmente, tem as lojas de varejo que somam 11,33% das dívidas. E assim como as demais credores elas também estão oferecendo descontos de até 99%. Avon, Natura. Riachuelo, Casas Bahia, Marisa, Renner e Carrefour também estão dando descontos de mais de 90% para quem renegociar.
Então o sucesso do Desenrola é se o governo força as empresas a ampliar esse descontos e em alguns casos até mesmo praticamente dispensar a dívida com pagamento simbólicos. Porque 90% hoje todo mundo oferece.