Estudo alerta para impactos da crise climática no desenvolvimento de crianças no Brasil
Crianças nascidas em 2020 enfrentarão 6,8 vezes mais ondas de calor e 2,8 vezes mais inundações e perdas de safra que as nascidas em 1960

A emergência climática já impacta de forma direta a vida de milhões de crianças e adolescentes. No Brasil, estima-se que cerca de 40 milhões de jovens estejam expostos a pelo menos um risco climático, sendo que 1,1 milhão deles convivem com a escassez de água, um fator que compromete o acesso à saúde, educação e qualidade de vida.
No cenário global, o quadro é ainda mais alarmante: quase 1 bilhão de crianças vivem em regiões vulneráveis a eventos extremos, como enchentes, secas, incêndios florestais e ondas de calor.
O problema tende a se agravar. No Brasil, o número de eventos climáticos extremos disparou nos últimos anos - passando de 1.779 ocorrências em 2015 para 6.772 em 2023. Esse aumento na frequência e na intensidade das catástrofes naturais impõe riscos crescentes à infância, que é mais sensível aos efeitos da crise ambiental.
Projeções mostram que crianças nascidas em 2020 viverão, em média, 6,8 vezes mais ondas de calor e enfrentarão 2,8 vezes mais inundações e perdas de safra ao longo da vida em comparação com aquelas nascidas em 1960.
O documento “A primeira infância no centro da crise climática”, produzido pelo Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) - atualmente formado pela Fundação Van Leer, David Rockefeller Center for Latin American Studies da Universidade de Harvard, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e Insper - aborda justamente os impactos da crise climática no desenvolvimento de bebês e crianças de 0 a 6 anos.
Impactos na Educação
A educação infantil também é diretamente impactada pela crise climática, que compromete a concentração das crianças e danifica a infraestrutura das escolas.
Apenas em 2024, cerca de 1,18 milhão de crianças e adolescentes tiveram as aulas suspensas no Brasil, principalmente devido a alagamentos. As enchentes no Rio Grande do Sul ilustram a gravidade da situação: estima-se que 55.749 horas-aula foram perdidas na educação básica, com prejuízos materiais avaliados em R$ 2,36 bilhões.
Além dos impactos diretos dos desastres naturais, a carência de espaços verdes nas escolas brasileiras é um desafio estrutural. Entre as instituições de educação infantil localizadas em capitais, 43,5% não contam com áreas verdes. Em favelas e comunidades urbanas, esse número é ainda maior: 52,4% das escolas não oferecem esse tipo de espaço, essencial para o desenvolvimento saudável das crianças e a promoção de bem-estar em tempos de crise climática.
Recife ocupa a terceira posição no ranking de capitais com mais escolas localizadas em áreas de risco climático, atrás de Salvador e Vitória. Além disso, quase metade dos estabelecimentos educacionais no município (46%) não têm áreas verdes dentro do lote.
As informações são do Instituto Alana, a partir de dados levantados pelo MapBiomas e analisados conjuntamente com a Fiquem Sabendo, e revelam os riscos climáticos aos quais estudantes e educadores estão expostos na capital.
O cenário no Recife é preocupante: além da falta de áreas verdes nos lotes, quase 24% das escolas estão em áreas de risco, sujeitas a alagamentos e deslizamentos, podendo afetar cerca de 43 mil alunos.
Desenvolvimento cognitivo comprometido
A professora Marcia Castro, chefe do Departamento de Saúde Global e População da Universidade Harvard e uma das coordenadoras do relatório do NCPI, alerta para os efeitos das ondas de calor sobre a saúde e o desenvolvimento infantil.
"Quando ocorre uma onda de calor, se a criança está em uma creche ou escola cuja estrutura não é adaptada ou resiliente ao clima, ela pode estar exposta a temperaturas ainda mais elevadas. Isso tem impacto direto na forma como o corpo infantil reage ao calor excessivo. Bebês e crianças pequenas, por exemplo, não suam como os adultos. O que significa que retêm mais calor. Essa sobrecarga térmica pode afetar o desenvolvimento cognitivo e o funcionamento de sistemas que ainda estão em formação", afirmou a professora em entrevista à coluna Enem e Educação.
Esse prejuízo acumulado ao desenvolvimento cerebral, especialmente se for recorrente na primeira infância, pode resultar em efeitos negativos de longo prazo, afetando por consequência outras etapas de ensino.
Para a chefe do Departamento de Saúde Global e População da Universidade Harvard, é fundamental que as unidades de ensino contem com infraestrutura adequada, como sistemas de refrigeração, purificação do ar e filtros capazes de reduzir a presença de poluentes no ambiente interno. A presença de áreas verdes - como árvores ao redor das escolas, parques e espaços com sombra - também contribui para amenizar a temperatura.
Do ponto de vista pedagógico, ela reforça que o tema climático ainda é pouco explorado nas práticas escolares. A ausência de uma abordagem ambiental consistente, somada à falta de contato das crianças com a natureza, compromete a construção de vínculos com o meio ambiente. Esse afastamento pode influenciar negativamente a forma como as novas gerações percebem e valorizam os ecossistemas, como florestas, rios e áreas verdes.