Desigualdades desafiam metas dos Planos Municipais de Educação em Pernambuco, aponta balanço
O estudo destacou a meta que trata da universalização do Ensino Fundamental de nove anos para todas as crianças e adolescentes de 6 a 14 anos

O Projeto Escolas Seguras e Acolhedoras para Meninas e Jovens Mulheres de Pernambuco (ESA) lançou, por meio de duas audiências públicas, os balanços da Meta 2 do Ensino Fundamental de dois Planos Municipais de Educação (PMEs): Ouricuri e Mirandiba. Na próxima terça-feira (29), será a vez do lançamento no município do Cabo de Santo Agostinho.
A meta em destaque trata da universalização do Ensino Fundamental de nove anos para todas as crianças e adolescentes de 6 a 14 anos, com a garantia de que pelo menos 95% concluam essa etapa na idade recomendada.
O projeto tem como objetivo a defesa do direito à educação, promovendo um ambiente seguro e acolhedor nas escolas para todos os estudantes — um espaço de proteção, aprendizado e desenvolvimento de suas potencialidades — com atenção especial às meninas e jovens mulheres, sobretudo negras, quilombolas, indígenas, periféricas, do campo e em situação de vulnerabilidade marcada por machismo, racismo, pobreza e desigualdades territoriais.
A iniciativa é apoiada pelo Fundo Malala, com realização coletiva do Comitê Pernambuco da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), Centro das Mulheres do Cabo (CMC) e Ong Caatinga. Em Mirandiba, a ação contou com articulação territorial da ASCQUIMI.
As análises foram realizadas a partir das dimensões de gênero, raça, etnia e território, considerando dados do Censo Escolar do INEP/MEC de 2022 e 2023 e também do Censo Demográfico do IBGE - 2022.
"Mirandiba e Ouricuri, localizados no Sertão Central e Sertão do Araripe, respectivamente, são municípios onde há expressiva população de meninas e jovens do meio rural e/ou quilombolas, que experienciam cotidianamente dificuldades de acesso - desde o deslocamento para as escolas, considerando a precariedade do transporte Escolar, até o fato das escolas das comunidades não ofertarem todo ciclo de educação básica, o que as leva a estudar no centro urbano", revela o estudo.
Cenário encontrado em Ouricuri
No município de Ouricuri, o balanço chama atenção para o fechamento de escolas localizadas na zona rural entre 2014 e 2023. O número total de escolas passou de 144, em 2014, para 56 unidades em 2023, sendo a redução mais significativa nas escolas rurais: eram 125 (86,81% do total) em 2014 e 39 (69,64%) em 2023. No mesmo período, o número de escolas urbanas caiu de 19 para 17. Também não foram identificadas em Ouricuri escolas quilombolas ou indígenas.
O estudo apontou ainda problemas relacionados à infraestrutura das unidades de ensino, que comprometem a garantia de um padrão de qualidade. Um dos principais destaques é a ausência de bibliotecas em praticamente todas as escolas da zona rural.
Em 2014, 122 escolas rurais (97,6%) não dispunham de biblioteca ou sala de leitura, enquanto entre as escolas urbanas esse percentual era de 36,84%. Em 2023, o cenário permanece crítico: 92,3% das escolas rurais ainda não contam com estrutura para leitura, e entre as urbanas, o índice é de 35,29%.
Outro dado alarmante revelado pelo estudo é a ausência de laboratórios de ciências em 100% das escolas rurais e em 88,24% das urbanas.
Em relação aos equipamentos tecnológicos e à acessibilidade comunicacional, o levantamento mostrou que computadores (de algum tipo) para uso de estudantes estão disponíveis em 94,87% das escolas rurais e em 82,35% das urbanas. No entanto, 100% das escolas da zona rural e 70,59% das urbanas não possuem laboratório de informática.
Quanto ao acesso à internet para os estudantes, ela está disponível em 51,28% das escolas rurais e em 58,82% das urbanas. Já a internet voltada para ensino e aprendizagem está presente em 71,79% das escolas rurais e em 58,82% das urbanas.
A coluna Enem e Educação entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação de Ouricuri, solicitando esclarecimentos sobre os dados levantados pelo Projeto Escolas Seguras e Acolhedoras para Meninas e Jovens Mulheres de Pernambuco (ESA).
Por e-mail, o diretor pedagógico da Secretaria de Educação, Joabe Santos, afirmou apenas que a revisão do Plano Municipal de Educação está sendo discutida pelos técnicos da pasta e que será realizada uma conferência para aprovar as ações a serem implementadas no município, com foco nos próximos dez anos de vigência do novo documento.
“Em relação às escolas que foram fechadas, fizemos um levantamento e identificamos que foram nucleadas. Ou seja, os estudantes foram realocados para uma escola maior, mais próxima de suas localidades. Informo isso com base em pesquisas, pois somos uma gestão nova e estamos assumindo a educação municipal pela primeira vez", disse Santos.
"O prefeito Vitor Coelho, a secretária de Educação Ivone Medeiros e a direção pedagógica irão planejar ações para melhorar a educação como um todo, especialmente para meninos e meninas da zona rural. Também vamos atuar para melhorar os índices educacionais, já que recebemos a educação de Ouricuri entre as dez piores. Em relação à educação quilombola, não temos atualmente, mas posso afirmar que trataremos a educação do campo como algo realmente voltado para o campo e com o campo", finalizou o a nota.
Desafios em Mirandiba
O fechamento de escolas localizadas em áreas rurais também é um desafio em Mirandiba, aparecendo como um fator que impacta diretamente a aprendizagem e a permanência dos estudantes no Ensino Fundamental. Muitos deles precisam se deslocar por longos trajetos, superiores a uma hora, a partir de seus territórios.
Entre 2014 e 2023, houve uma expressiva redução no número de escolas rurais. Em 2022, havia 2.135 matrículas de estudantes de 6 a 14 anos no Ensino Fundamental, distribuídas em 18 escolas rurais e 5 urbanas — uma queda em relação às 2.660 matrículas previstas no PME 2015-2025.
Com menos estudantes por turma nas áreas rurais, persistem as turmas multisseriadas e as chamadas escolas nucleadas. Durante o período do Plano Municipal de Educação, 16 escolas rurais foram fechadas, o que representa 47% das unidades educacionais.
A maioria das escolas rurais não oferece os anos finais do Ensino Fundamental. Em 2023, apenas uma das 18 escolas rurais ofertava o ciclo completo; as demais atendiam apenas os anos iniciais. Como consequência, muitos estudantes precisam se deslocar para a zona urbana desde cedo, tanto para concluir o Ensino Fundamental quanto para cursar o Ensino Médio.
O transporte escolar é um dos principais desafios enfrentados. Estudantes, em sua maioria meninas de comunidades quilombolas, relataram a falta de escolas estruturadas em suas comunidades e as dificuldades com o transporte: atrasos, longos percursos e, em muitos casos, a necessidade de pagar moto-táxi ou pedir carona para não faltar às aulas.
A coluna Enem e Educação também entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação de Mirandiba, solicitando esclarecimentos sobre estes dados. Assim que houver retorno, esta matéria será atualizada.
Plano Municipal de Educação
O Plano Municipal de Educação (PME) é um instrumento estratégico que visa garantir o direito à educação, por meio da definição dos compromissos e responsabilidades dos entes federados (União, estados e municípios). As metas decenais exigem uma política de Estado, para que sejam continuadas independentemente das gestões.
Apresentar esses dados, que indicam as vulnerabilidades e a precarização na oferta da educação básica, é uma ferramenta importante para a construção de novas metas para o próximo PME. Além disso, serve para provocar reflexões sobre o que deixou de ser cumprido ao longo dos anos.
"O principal argumento apresentado para o fechamento das escolas em áreas rurais é o esvaziamento dessas unidades, porque não há estudantes. E torna-se muito oneroso manter uma unidade educacional, com estrutura física e recursos humanos, para poucos alunos", afirmou a coordenadora do projeto, Michela Albuquerque, em entrevista à coluna Enem e Educação.
"Mas, à medida que olhamos para os dados sobre o fechamento de escolas, começamos a levantar algumas questões para problematizar, de fato, de onde vem esse esvaziamento das escolas localizadas em territórios rurais", completou.
A partir das escutas realizadas para a composição do balanço, foi possível observar um cenário de extrema desigualdade estrutural entre as escolas das áreas rurais — incluindo escolas quilombolas — e aquelas localizadas nas áreas urbanas.
"Uma escola precarizada, por si só, já tende a afastar os estudantes. Então, o que a gente entende é que há o argumento do esvaziamento, e ele precisa ser analisado com mais cuidado. Há a nucleação, sim, mas falta um questionamento mais profundo sobre por que esse esvaziamento ocorre", destacou Michela.
Pensar uma política de educação de qualidade é, também, pensar no desenvolvimento econômico e social das cidades. É o que defende Liz Ramos, responsável pelas pesquisas:
"As duas cidades têm cerca de 90% a 99% da população com acesso ao Ensino Fundamental, mas, quando se observa o indicador de jovens de 16 anos que já concluíram ou ainda estão cursando essa etapa, o índice cai para cerca de 50%. Isso significa que boa parte não está concluindo o Ensino Fundamental nem acessando o Ensino Médio", explicou em entrevista à coluna Enem e Educação.
"Precisamos entender que o nível de escolaridade é importante para o desenvolvimento do local, da cidade, é para melhorar o atendimento dos serviços, melhorar a diversidade de profissionais que podem tem nos municípios. Não é só pensar a vida do trabalhador rural, mas isso sim e as novas tecnologias", completou.
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